Wednesday, October 13, 2010

Conflitos Urbanos Habitação e Meio Ambiente

Orçados em R$ 4,4 bilhões, parques lineares removerão mais de 20 mil famílias em SP
Guilherme Balza Do UOL Notícias Em São Paulo

Operação Urbana Águas Espraiadas

As obras da Operação Urbana Águas Espraiadas e do Parque Linear Várzeas do Tietê removerão mais de 20 mil famílias de suas casas nos próximos anos, segundo estimativa do governo. Juntos, os dois projetos estão orçados em R$ 4,4 bilhões e devem ser inaugurados até 2014, ano da Copa do Mundo no Brasil.
Apesar do grande número de desapropriações e do custo elevado das obras, lideranças comunitárias e o defensor público Carlos Loureiro denunciam a falta de planos de habitação mais detalhados e transparentes que indiquem qual será o destino das famílias que serão atingidas, na sua maioria de comunidades carentes.
As constantes alterações no projeto Operação Urbana Águas Espraiadas (leia no box abaixo) e as indefinições em torno da obra, que prevê a extensão da avenida Jornalista Roberto Marinho até a rodovia dos Imigrantes por meio de um túnel e a construção de um parque linear na superfície, preocupam as mais de 10 mil famílias que devem ter os imóveis desapropriados.
Entenda a Operação Urbana Água Espraiada
A avenida Jornalista Roberto Marinho (antiga avenida Águas Espraiadas) foi inaugurada em 1995 na gestão do prefeito Paulo Maluf, com indícios de superfaturamento. Com custo total de R$ 840 milhões, a avenida foi considerada a mais cara do mundo na época. O prolongamento da avenida até a rodovia dos Imigrantes estava previsto no projeto original, aprovado quando Jânio Quadros era prefeito (1986-1989).
O objetivo da extensão até a Imigrantes é desafogar o tráfego da avenida dos Bandeirantes --uma das vias mais congestionadas da capital-- e revitalizar, por meio de um parque linear, a região em torno do córrego Água Espraiada, repleta de favelas. Em 2002, na gestão de Marta Suplicy, foi aprovado o projeto de prolongamento da avenida, segundo o qual a extensão seria feita por uma via de superfície de aproximadamente 3 km e um túnel de 400 m, ao custo de R$ 900 milhões.
No ano passado, contudo, o prefeito Gilberto Kassab alterou o projeto original, determinando que o prolongamento fosse feito por um túnel com cerca de 2,4 km e a construção de um parque linear na superfície, que contaria também com uma via para carros nas margens, ciclovias e equipamentos de lazer. A proposta de Kassab prevê ainda que, por sobre o parque, seja construído o monotrilho que ligará o Jabaquara ao Morumbi. Com as alterações, o custo da obra triplicou para R$ 2,7 bilhão, verba que a prefeitura pretende financiar pelo venda de títulos imobiliários (Cepac).
Em julho deste ano, o Tribunal de Contas do Município (TCM) embargou a obra, que já havia sido licitada, alegando alteração no projeto original e insuficiência de recursos, além de mais de 60 irregularidades. O TCM determinou a correção de 17 irregularidades para que o contrato com as construtoras que venceram a licitação seja homologado e a obra comece a ser tocada. Uma das exigências é que seja aprovada na Câmara Municipal uma lei que altere o projeto original e que contenha as modificações que foram feitas.
O projeto de prolongamento da via foi aprovado em 2002, na gestão de Marta Suplicy (PT), mas previa um túnel menor, com apenas 400 metros. A ampliação do túnel para 2,4 km e a implantação do parque linear foram mudanças aprovadas pelo prefeito Gilberto Kassab (DEM).
A auxiliar administrativa Priscila Soares, moradora da Vila Facchini, afirma que cerca de 2.000 famílias não seriam atingidas pelo projeto anterior e terão que ser removidas da região se as alterações forem mantidas. “Nenhum morador foi consultado sobre as mudanças. Está tudo muito obscuro. Ninguém falou para nós como serão as indenizações”, afirma Soares, que integra um movimento de proprietários de imóveis e comerciantes contrários às mudanças aprovadas na gestão de Kassab.
Além das famílias que foram pegas de surpresa com a possibilidade de desapropriação, há outras 8.556 que moram em 16 favelas da região e já foram cadastradas pela Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) para serem reassentadas em áreas próximas da região ou para receberem auxílio-aluguel no valor de R$ 300 mensais até que as moradias que integram a obra fiquem prontas.
O defensor público Carlos Loureiro, que acompanha a situação das famílias afetadas, afirma que a construção das moradias já deveria ter começado antes mesmo do início da obra. Segundo ele, não há um plano habitacional claro para as famílias que perderão suas casas. “Já existem áreas desapropriadas, mas os empreendimentos [habitacionais] sequer começaram. Não dá para saber se os terrenos [destinados aos reassentamentos] serão suficientes para receber os moradores”, diz.
Loureiro teme que se repita o que ocorreu durante o processo de construção do trecho que já existe da avenida Jornalista Roberto Marinho, quando cerca de 50 mil moradores de favelas que existiam no local desde a década de 70 foram retirados e, grande parte deles, acabaram indo morar em áreas de proteção ambiental do extremo sul da capital.
“Existia um complexo de favelas que foi removido, de forma agressiva, para regiões de mananciais na periferia. Isso é uma prova de que o próprio poder público falha ao desrespeitar direitos básicos. É preciso tomar cuidado para que isso não se repita”, afirma.
Procurada pela reportagem do UOL Notícias desde a quarta-feira (6), a Sehab afirmou que todas as famílias que comprovaram que moram na região atingida receberão unidades habitacionais ou outra forma de compensação, como o auxílio-aluguel no valor de R$ 300, mas a remoção das famílias, mas não apresentaram plano para realocação dos moradores
Além de melhorar o trânsito, a expansão da avenida integra um projeto de valorização da região do Brooklin, do qual também fizeram parte a construção da ponte estaiada Octavio Frias de Oliveira, inaugurada em 2008, e a retirada dos barracos da favela do Jardim Edith, na avenida Engenheiro Luiz Carlos Berrini, no início do ano passado.
Parque Linear Várzeas do Tietê
Com custo total de R$ 1,7 bilhões, o Parque Linear Várzeas do Tietê será o maior parque linear do mundo, com 75 quilômetros de extensão e 107 km² de área, segundo o governo do Estado. O parque ocupa toda a várzea do rio Tietê, entre o bairro da Penha, na capital, até o município de Salesópolis, onde fica a nascente do rio, passando pelos municípios de Guarulhos, Itaquaquecetuba, Poá, Suzano, Mogi das Cruzes e Biritiba-Mirim.
Imagens do Parque Linear Várzeas do Tietê

Dividida em três etapas, a obra prevê a construção de uma avenida (Via Parque) e de uma ciclovia dentro do parque, além da instalação de 33 centros de lazer e a recuperação das matas ciliares. A conclusão da primeira etapa está prevista para 2014, quando 48 quilômetros da Via Parque e da ciclovia devem ser entregues, além de quatro núcleos de lazer com 15 campos de futebol e 14 quadras poliesportivas. Os recursos para a obra virão de empréstimos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) --R$ 1,3 bilhão-- e do orçamento do governo do Estado --R$ 377 milhões.
Um dos objetivos do projeto é reduzir as enchentes na marginal Tietê e valorizar a região, que fica às margens da rodovia Ayrton Senna, entre o Aeroporto Internacional de Guarulhos e o futuro estádio do Corinthians, provável sede paulista na Copa do Mundo, em Itaquera. Na área da várzea também estão a USP Leste, os centros de treinamento do Corinthians e da Portuguesa, além de empresas e indústrias.
Apesar do investimento vultoso e do tamanho da obra, as famílias que vivem em comunidades carentes da região, e serão removidas, não foram consultadas sobre a implantação do parque e muitas não sabem para onde irão, segundo o líder comunitário Oswaldo Ribeiro, morador da Vila Itaim, presidente da Ação Cultural Afro Leste Organizada (Acaleo). “Pegaram nós de surpresa. Com um projeto de tamanha proporção, a comunidade no mínimo tinha que ser consultada”, diz. “As famílias foram morar ali há mais de 40 anos, quando ainda não era Área de Proteção Ambiental (APA)”, afirma.
Os números de famílias desapropriadas divergem: enquanto a Sehab fala em 10.191 famílias, a Secretaria de Saneamento e Energia do Estado reduz a estimativa para 7.500. De acordo com Ribeiro, também não há uma proposta habitacional para o conjunto dos moradores, embora o BID exija isso de contrapartida social para o empréstimo dos recursos. “Inventam um parque linear sem uma política habitacional. Na prática isso é expulsar as pessoas para os bolsões mais miseráveis”, diz.
A Sehab, por sua vez, disse que mais de 4.000 famílias que já foram removidas do local receberam ou ainda estão recebendo parcelas de auxílio-aluguel no valor de R$ 300 por mês ou então foram transferidas para apartamentos do CDHU. Entre essas famílias estão 338 que foram atingidas, no final do ano passado e no início deste ano, pelas enchentes no Jardim Romano, bairro que ficou alagado por mais de 70 dias por conta do transbordamento do rio Tietê.
A secretaria não informou o destino 6.000 famílias restantes que foram cadastradas. “A prefeitura disse que compraria terrenos em bairros da zona leste para distribuir às famílias, mas até agora isso não aconteceu”, afirma Ribeiro.
Ainda de acordo com o líder comunitário, a população da várzea do Tietê, em geral, não é contra o parque, mas também gostaria de ser beneficiada pela obra. “Não somos contra o meio ambiente. Se o meio ambiente conseguir enxergar o ser humano como parte dele, é positivo. Eles falam tanto do meio ambiente, mas não inserem o ser humano nesse processo”, diz.

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