Prefeitura do Rio construirá 100 mil casas
Prefeitura do Rio construirá 100 mil casas
Fonte:Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 6
Rio de Janeiro, 22 de Janeiro de 2009 - Depois de exercer três mandatos consecutivos como deputado federal do Partido dos Trabalhadores (PT), o engenheiro do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), Jorge Bittar, enfrenta o desafio de reduzir o déficit habitacional de 350 mil moradias do Rio de Janeiro - cidade que soma hoje mais de 900 favelas que abrigam entre 1,5 milhão e 2 milhões de pessoas. Convidado pelo prefeito Eduardo Paes para comandar a secretaria de Habitação do município, antes mesmo de assumir, Bittar já negociava no mês passado junto à Casa Civil e Ministérios da Fazenda e do Planejamento uma emenda à Medida Provisória nº 445, que amplia a capacidade de endividamento de governos e municípios, de olho na possibilidade de estender junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) um financiamento de US$ 300 milhões para o programa Favela/Bairro em sua terceira fase. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
Gazeta Mercantil - Sua trajetória o identifica com a área de telecomunicações, além de discussões de orçamento da União. Mas casas populares não constavam do seu currículo.
Sou um homem público multifuncional. Sou engenheiro por formação e sempre me interessei por desenvolvimento urbano. E já fui secretário estadual do planejamento aqui do Rio de Janeiro em 1999. Acredito que o prefeito Eduardo Paes tenha me convidado exatamente porque eu tenho esse interesse. Ao mesmo tempo, posso ajudar em uma sintonia fina entre governo municipal, governo estadual e governo federal.
Gazeta Mercantil - Qual o potencial dessa união?
Acho que estava tudo emperrado na cidade do Rio de Janeiro. Por sua característica pessoal, o prefeito Cesar Maia sempre foi avesso à construção de parcerias. Não era um problema com o presidente Lula. Na verdade, ele teve dificuldades de relacionamento com todos os governantes estaduais e federais. Não se pode dizer que ele tivesse uma relação especial com o governo federal nem na época do Fernando Henrique.
Gazeta Mercantil - O senhor chega à Secretaria de Habitação em um momento em que o governo federal discute destinar boa parte dos recursos do FGTS para o PlanHab e a Caixa Econômica Federal bateu recorde em financiamento habitacional.
Há um grande volume de recursos para essa área. Foi criado o Ministério das Cidades e, dentro dele, foi criado o Sistema Nacional de Habitação do Interesse Social a partir da legislação aprovada em 2005. Esse projeto de Habitação de Interesse Social obriga todos os municípios a criarem um plano de habitação de interesse social, um conselho gestor da política de habitação de interesse social e fundo de investimentos. Ou seja, existe um fundo federal, os fundos estaduais e os fundos municipais que visam a isso. E o governo está lançando o Plano Nacional de Habitação de Interesse Social desenvolvido a partir desse sistema.
Gazeta Mercantil - Por onde o senhor deve começar o trabalho no Rio de Janeiro, onde há um déficit habitacional de 350 mil moradias?
Pretendemos em quatro anos entregar 100 mil moradias populares. Essa é a nossa meta. Vamos impactar o mercado fortemente. O Rio de Janeiro será um grande canteiro de obras.
Gazeta Mercantil - Qual é o total de recursos para essas 100 mil casas?
Estamos falando de algo como R$ 40 mil por unidade, o que dá R$ 4 bilhões. Serão 10 mil casas no primeiro ano, 20 mil no segundo, 30 mil no terceiro e 40 mil no quarto. É a única maneira que a gente tem para acabar com a favelização crescente na cidade. As pessoas não param de ocupar encostas de morro, de invadir a Floresta da Tijuca. Há, por exemplo, uma comunidade que surgiu do lado de uma antiga estação do bondinho do Corcovado. Há alguns meses eram 15; hoje já são 22 famílias. Vamos ter que reassentar essas famílias.
Gazeta Mercantil - Mas 10 mil este ano é algo factível? O Estado do Rio de Janeiro está construindo 7 mil unidades até 2010.
Vai ter ano que vou produzir 40 mil. Você sabe que 85% do déficit habitacional está relacionado a quem ganha até três salários mínimos - e no Rio de Janeiro não é diferente. Vou buscar subsídios em todos os programas existentes hoje no País. Há recursos do PAC para isso e há recursos específicos para a Habitação de Interesse Social. O FGTS vai destinar uma parcela maior desses subsídios - hoje o Fundo de Garantia tem R$ 1,5 bilhão para subsídios e deverá dispor de algo próximo dos R$ 2,6 bilhões. No FGTS, há uma resolução prevê que os recursos destinados aos subsídios sejam inversamente proporcionais à renda familiar. Nas regiões metropolitanas, como é o caso do Rio de Janeiro, a família que ganha até um salário mínimo pode obter um subsídio de até R$ 14 mil, direto do FGTS. Tem, ainda, o Programa de Subsídio à Habitação (PSH), que vem lá do governo do Fernando Henrique, orientado para cooperativas, que também pode ser utilizado para subsidiar moradias populares.
Gazeta Mercantil - Serão necessários R$ 4 bilhões. No PAC as prefeituras têm de garantir uma contrapartida de 30% do valor total. Qual é o orçamento da Secretaria da Habitação este ano?
O orçamento é de R$ 372 milhões, valor que foi determinado pela gestão anterior. Mas há uma margem para a prefeitura remanejar até 30% do seu orçamento, que é de R$ 12 bilhões. Ou seja, não é nada absurdo em relação à capacidade de arrecadação do município. O que importa é que vamos atuar fortemente junto ao governo federal para atenuar as pressões sobre o caixa da secretaria, alongando nossos compromissos e buscando outras fontes. Farei uma verdadeira engenharia financeira.
Gazeta Mercantil - Esse orçamento foi elaborado para um quadro de arrecadação em alta. Com a crise, este valor será mantido?
Tenho de mantê-lo, pois sempre que capto recursos federais tenho de entrar com uma contrapartida. A Prefeitura terá de manter esse volume para a Secretaria da Habitação. E, é bom frisar, não haverá queda na arrecadação. Pode haver uma diminuição no ritmo de crescimento da arrecadação. O Brasil vai crescer 3% esse ano. Não os 5%, 6% ou 7% que crescia antes. Vamos ter uma desaceleração.
Gazeta Mercantil - O senhor realmente acredita que conseguirá cumprir a meta de 10 mil casas já no primeiro ano?
A capacidade de realização deste ano será menor do que a do ano que vem. No ano que vem espero que a economia já demonstre uma vitalidade muito superior à atual. Os recursos do Fundo de Garantia não requerem contrapartida. E esses recursos vêm 100% do governo federal.
Gazeta Mercantil - Isso bastará para financiar 100 mil casas?
É importante lembrar que eu também vou trabalhar muito próximo do setor privado, em projetos como o Programa de Arrendamento Residencial (PAR). Nesse caso, a família que ganhe até três salários mínimos faz um leasing daquele imóvel. Temos um conjunto para ser entregue pelo PAR este mês, no Campo Grande, de unidades de R$ 40 mil. Ali, o morador paga uma prestação de R$ 297,00 mensais – menos do que se cobra por uma moradia na Rocinha - por quinze anos por um apartamento de dois quartos, sala, cozinha, banheiro, num condomínio fechado que tem uma área de lazer e estacionamento. Ao final do prazo, depois de pagar as parcelas, a família passa a ser proprietária do apartamento.
Gazeta Mercantil - E se houver inadimplência nesses 15 anos
O sistema é parecido com um contrato de leasing. Paga-se o aluguel do produto por um determinado período e ao final passa a ter direito a ficar com o bem. O valor cobrado equivale a uma locação do espaço. Não era, necessariamente, a prestação da aquisição. O pulo do gato do PAR é justamente se poder tomar o imóvel de volta em caso de inadimplência, o que faz com que a pessoa se sinta obrigada a pagar.
Gazeta Mercantil - Qual será o papel do setor privado no seu plano?
A idéia é atrair ao máximo o setor privado. Não vou fazer tudo sozinho. Vou criar estímulos para o setor privado. Já me reuni com as empresas produtoras, como a MRV, e vamos procurar outras empresas que se interessem pelo mercado de baixa renda. Tem a Bairro Novo, que é do grupo Odebrecht, a FIT e Tenda, que se uniram. Tem o grupo Rodobens, especializado em consórcio. Vamos procurar atrair esses grupos.
Gazeta Mercantil - O senhor poderia detalhar melhor essa estratégia?
A lógica que eu vou usar é construir habitações nos vazios urbanos. Nos espaços onde já há acesso à rede de água e de esgoto, onde há transporte por perto, onde há unidades públicas de educação e de saúde. Queremos reabilitar a área portuária do Rio de Janeiro. Essa é uma meta prioritária do município. Vamos ter uma área de edifícios comerciais, outra de turismo e cultura - naqueles armazéns do píer da Praça Mauá - e uma área destinada a projetos de moradia. Também estamos estudando a Avenida Brasil. Ali deu-se um processo grande de degradação. Há uma quantidade muito grande de galpões abandonados de indústrias tradicionais que perderam espaço para outras, mais modernas.
Gazeta Mercantil - A idéia é desapropriar esses terrenos e transformar essas áreas em projetos de habitação?
Tenho duas vertentes de ação. De um lado, a aquisição de terrenos privados. De outro, trabalhar o acesso e desimpedimento de terrenos públicos. O presidente Lula determinou que a União abra mão de todos os seus imóveis sem uso que possam servir à produção de habitação de interesse social. Como o Rio de Janeiro foi capital federal, ele tem uma grande quantidade de imóveis federais, do patrimônio da União - tanto na área portuária quanto na área da antiga Rede Ferroviária Federal. Há, ainda, imóveis do Exército em algumas áreas que estão sendo desativadas. Estamos, também, identificando os imóveis do INSS na cidade para uma avaliação nesse sentido.
Gazeta Mercantil - Como o senhor pretende identificar esses imóveis?
Já estamos cadastrando esses terrenos todos, por área, classificando quais os mais apropriados para moradia – tem critério. Não vou jogar a população onde não haja transporte, escola. Em resumo, pretendo montar aqui uma força-tarefa junto com a Secretaria de Patrimônio da União, com o INSS e a Rede Ferroviária Federal para identificar os imóveis possíveis e desimpedi-los.
Gazeta Mercantil - E quanto aos terrenos privados, que são um componente importante na formação do custo dos projetos?
Aí está outro pulo do gato. Vou criar um fundo municipal que apoiará um sistema municipal de produção habitacional. A prefeitura deverá construir um fundo de investimentos imobiliários (FII). Ele já está sendo estruturado. O Fundo é para a obtenção de terras, de tal maneira que possamos empreender. Ele será feito com recursos predominantemente do Fundo de Garantia - algo maior ou igual a R$ 400 milhões. Há recursos disponíveis para isso na Caixa. Ou seja, a Secretaria de Habitação do Rio de Janeiro pega, junto à Caixa, recursos relativamente baratos, tipo TR + 8% ao ano, e faz o fundo. Com os seus recursos, compra o terreno, faz uma licitação para que uma empresa construa um conjunto habitacional e vende esse conjunto habitacional para a Caixa. O dinheiro da venda do conjunto volta ao FII. Por fim, a Caixa que será dona do empreendimento, financia, na ponta, o comprador.
Gazeta Mercantil - A Caixa Econômica Federal parece estar no cerne dos seus planos...
É isso mesmo. Estamos trabalhando em estreita parceria com a Caixa. O meu subsecretário executivo - Pierre Batista - era gerente da Caixa. A coordenadora de produção habitacional, Ivoneide da Silva Veríssimo também era de lá. Vamos criar, juntos, um verdadeiro banco municipal de habitação.
Gazeta Mercantil - Neste primeiro ano, a obtenção de imóveis deve demorar bastante...
Sim, mas há imóveis que já estão disponíveis. A prefeitura tem imóveis próprios também. Nós os estamos cadastrando na Rio Urb, que é uma empresa municipal. Mas há um outro programa que se dará em escala menor - mas não menos importante -, que é voltado à requalificação dos imóveis do centro da cidade. Houve um esvaziamento do centro da cidade. Vamos procurar imóveis no centro da cidade para reformar. Estamos planejando fazer um amplo programa de retrofit. Produzir habitações dentro desses imóveis financiados pela Caixa Econômica Federal também.
Gazeta Mercantil - E como será a distribuição dessas moradias para a população?
Teremos um cadastro qualificado das famílias da cidade. Vou saber se o cidadão tem uma renda de três salários mínimos, se tem cinco pessoas na sua família, se trabalha em Campo Grande, portanto, se tem preferência por morar perto daquela região... Com esse cadastro e a sua documentação, vou fazer uma pré-aprovação dessas pessoas junto à Caixa. Vou oferecer à Caixa exatamente os cidadãos potenciais para adquirem imóveis com determinadas características.
Gazeta Mercantil - Quantas pessoas o atual cadastro tem?
Não sei ainda. Mas nós vamos mudar esse cadastro. Normalmente você pega 30 mil nomes e vai filtrando até chegar a 200. É algo muito difícil tal como está. Vamos melhorar o sistema.
Gazeta Mercantil - E quanto às favelas do Rio de Janeiro. Quais são os seus planos?
Antes mesmo de assumir a secretaria, procurei o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para dar seqüência ao financiamento do programa Favela/Bairro, com recursos adicionais de US$ 300 milhões. E apresentei uma emenda à Medida Provisória nº 445, que está em aprovação no Senado (por se tratar de um empréstimo do exterior), para ampliar a janela de estados e municípios que já tivessem atingido o seu endividamento máximo, para que conseguissem contratar novas etapas de projetos sociais em curso. Portanto, uma vez aprovada a MP, acredito que possamos dispor do financiamento a partir de março, pois os entendimentos com o BID estão avançados. Uma missão do banco chega ao Rio de Janeiro dia 26 de janeiro.
Gazeta Mercantil - Hoje qual o percentual da população do Rio de Janeiro que está em favelas?
Estima-se que algo como 1,5 milhão e 2 milhões morem em favelas. Isso dentro de um universo de 6,1 milhões de habitantes. Isto representa entre 25 e 30%.
Gazeta Mercantil - E como funciona o Favela/Bairro?
Temos um elenco de comunidades sobre as quais atuar. Tenho um cadastro de comunidades organizado na década de 90, que registra 500 favelas. O Rio de Janeiro mudou muito de lá para cá. A cidade tem hoje mais de 900 comunidades. No programa Favela/Bairro há o esforço de se abrir ruas, acessos e a construção de equipamentos sociais como creches e escolas na comunidade. E de se prover a infra-estrutura: água, esgoto, pavimentação de ruas... Mas não há a intervenção nas moradias. O programa melhora a vida das pessoas, mas há uma limitação nessa intervenção.
Gazeta Mercantil - Como minimizar o problema das favelas?
O processo construtivo nessas comunidades passa pela compra da laje. O cidadão tem uma casa de alvenaria. E faz uma laje no teto. Um segundo sujeito a compra e constrói em cima da laje. Com isso, ocorre o adensamento e a verticalização dessas favelas. Claro, com condições de habitabilidade precárias. Eu quero que essas pessoas - que hoje estão comprando uma laje e que estão morando mal, em beira de rio - tenham moradia. Quero diminuir a densidade de algumas favelas nas quais o cidadão mora em condições impróprias.
Gazeta Mercantil - Existem prédios de vários andares em várias comunidades.
Na Rocinha tem prédio de onze andares, apelidado de "Empire State Building". E ele não é feito por pobre, evidentemente. Foi feito por empreendedores da favela. É ação de um cidadão que edificou para alugar. Cobra até R$ 500 mensais do garçom, da empregada doméstica, do comerciário. Mas esses prédios desabam. Isso aconteceu há dez dias no Rio das Pedras. As casas nas favelas são construídas de qualquer jeito, sem licenciamento, sem cálculo estrutural. Ao lado do rio, onde o terreno é frágil. As fundações nesses locais teriam que ter estacas de 20 a 30 metros para sustentar o prédio. E o sujeito coloca apenas uma pequena sapata. Assim, a estrutura toda entra em colapso. O pior é que se cobra nesses edifícios de R$ 300 a R$ 400 por uma quitinete. Têm esse valor no mercado porque ficam em comunidades perto da Barra da Tijuca, onde moram os ricos e as pessoas têm trabalho.
Gazeta Mercantil - Qual é o plano, portanto?
Portanto, é preciso fiscalização. Vamos ter que reprimir. Teremos um sistema de controle do crescimento vertical e horizontal dessas moradias nas comunidades. A diferença é que vamos controlar duramente, mas vamos ofertar moradias.
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 6)(Ana Cecília Americano)
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