Saturday, August 15, 2009

A implementação do Estatuto da Cidade .. São Paulo

A implementação do Estatuto da Cidade no planejamento e na gestão territorial do
Município de São Paulo - Kazuo Nakano

As desigualdades sócio-territoriais existentes no interior do Município de São Paulo
exigem a implementação de políticas redistributivas. As zonas especiais de interesse
social (ZEIS) são áreas que devem ser priorizadas nessas políticas, pois concentram
moradias precárias e informais, além de reservar terras e edifícios ociosos para a provisão
habitacional de interesse social. O PDE incluiu quatro tipos de ZEIS, em sintonia com o
objetivo III da política urbana. Boa parte delas foi indicada pelos movimentos de luta pela
moradia que atuam no município.
A ZEIS 1 abrange áreas de favelas, loteamentos clandestinos precários e conjuntos
habitacionais ocupados pela população de baixa renda. Essas áreas devem ser objeto de
um plano de urbanização e regularização fundiária voltado para sua recuperação
habitacional e urbanística e para a segurança da posse dos seus moradores..
A ZEIS 2 abrange terrenos não edificados ou subutilizados, inseridos em locais
adequados do ponto de vista urbanístico, que devem ser utilizados para produção de
habitação de interesse social e para o mercado popular22.
A ZEIS 3 abrange terrenos e edificações subutilizados localizados em áreas centrais da
cidade, dotadas de empregos, infra-estrutura e serviços urbanos, destinados à provisão de
habitação de interesse social e para o mercado popular.
A ZEIS 4 abrange glebas e terrenos não edificados e adequados à urbanização,
localizados em áreas de proteção aos mananciais ou de proteção ambiental, conforme
objetivo VI da política urbana municipal, destinados à habitação de interesse social
promovidos pelo poder público para famílias removidas de áreas de risco, de preservação
permanente e das ZEIS 1 muito densas.
A maior parte está na periferia (vermelhas, rosa e azul escuro) e poucas nas áreas centrais
(verde). As definições das ZEIS no PDE incidem sobre a herança da urbanização precária
e informal e não invertem o padrão desigual de acesso à terra.
Porém, é preciso reconhecer que a inclusão desse instrumento no PDE é um avanço
importante, apesar de poucas terem sido implementadas até o momento. A regularização
fundiária de assentamentos urbanizados localizados em áreas públicas municipais foi o
que mais avançou. Milhares de concessões de direito real de uso foram distribuídos para
os moradores desses assentamentos. Os investimentos em urbanização de favelas do
governo federal, realizados no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC),
poderão impulsionar a implementação das ZEIS.
A habitação de interesse social deve atender famílias com renda até 6 salários mínimos, ter área útil até
50 m², possuir um banheiro e uma vaga de estacionamento. A habitação para o mercado popular deve
atender famílias com renda até 16 salários mínimos, ter área útil até 70 m², possui 2 até sanitários e 1 vaga
de estacionamento.

O repovoamento das áreas centrais e intermediárias do Município de São Paulo, iniciadas
pela demarcação das ZEIS 3 em consonância com o objetivo II da política urbana, é
importante para inverter a tendência de expansão e adensamento periférico. Essa inversão
pode contribuir enormemente para melhorar as condições de mobilidade urbana e reduzir
deslocamentos de automóveis, conforme objetivo IV. A cidade possui uma frota de
veículos com cerca de cinco milhões de unidades e 10 milhões de habitantes. Há duas
pessoas por veículo.
Essa alta taxa de motorização mostra a hegemonia do automóvel que resulta da opção
rodoviarista feita em décadas anteriores. Trata-se de uma opção feita em detrimento de
modalidades de transporte coletivo sobre trilhos. Apesar dos investimentos públicos feitos
na melhoria e ampliação das linhas de trens e metrô, não há como desconstruir a matriz
rodoviarista da mobilidade urbana no médio prazo. Essa matriz é responsável por
milhares de acidentes no trânsito que matam grande número de pessoas. É responsável
também pelo lançamento de toneladas de dióxidos de carbono na atmosfera.
Esse gás de efeito estufa contribui para o agravamento do aquecimento global. São Paulo
é uma das aglomerações urbanas mais poluídas do planeta. Essa condição degrada o meio
ambiente urbano e prejudica a saúde da população que sofre com doenças respiratórias,
principalmente nos meses frios em que ocorre pouca dispersão de poluentes. A Figura 6
abaixo apresenta a proposta de corredores de ônibus nas principais vias da cidade. Tratase
de faixas exclusivas para esses tipos de veículos. Pode-se afirmar que esse é o único
esforço possível, no curto prazo, para otimizar o uso dos espaços do sistema viário,
reduzir o número de automóveis nas ruas e minimizar os problemas de
congestionamentos no tráfego de veículos. Até o momento, excluindo os dois corredores
que já existiam antes da aprovação do PDE, somente um foi implantado.

O PDE aproveitou a estrutura das subprefeituras para descentralizar a administração
municipal e o planejamento territorial. As 31 subprefeituras foram instituídas em 2003,
por meio de lei municipal específica, para substituir as administrações regionais cujos
setores de fiscalização foram denunciados como focos de corrupção na segunda metade
da década de 1990. As subprefeituras possuem orçamentos próprios para arcar com suas
responsabilidades relativas à manutenção urbana, fiscalização geral, articulação de
serviços básicos de diferentes secretarias municipais, licenciamento de pequenas reformas
e edificações novas, entre outras atribuições. O PDE previu a elaboração participativa de
Planos Diretores Regionais (PDR) para cada subprefeitura. Esses PDRs definiram
objetivos e diretrizes específicas, detalharam o zoneamento e respectivos parâmetros de
uso e ocupação do solo, identificaram imóveis sujeitos ao direito de preempção, ajustaram
a hierarquia viária, definiram áreas de intervenção urbana cuja implementação demanda
Planos de Urbanização Específica, entre outras medidas. Os PDRs foram discutidos com
a sociedade e aprovados na Câmara Municipal em 2004.
Falta instituir os Conselhos de Representantes em cada uma delas, conforme previsto na Lei Orgânica
do Município, para democratizar o planejamento e a gestão local. A instituição desse
canal de participação tem sido objeto de controvérsias na Câmara Municipal. Os
vereadores vêem esse instrumento com reticências, pois um Conselho de Representantes
de cada subprefeitura com membros eleitos pelos moradores locais pode ameaçar seus
domínios eleitorais.

Os Conselhos de Representantes das subprefeituras podem ser importantes
complementações do Conselho Municipal de Política Urbana (CMPU) criado pelo PDE,
além de outros conselhos gestores. Apesar do CMPU se colocar como um canal
importante de participação da sociedade no planejamento e na gestão urbana, dois
aperfeiçoamentos precisam ser feitos. Um diz respeito á necessidade de articular a eleição
dos conselheiros com a realização regular de Conferências Municipais da Cidade que
discutam a implementação do PDE e os rumos da política urbana. Outro é a necessidade
do CMPU ter poder de deliberação sobre a utilização dos recursos do Fundo Municipal de
Política Urbana (FUMDURB) cuja gestão não está transparente.

Finalizo este texto mencionando esses dois canais de participação social para ressaltar a
importância e a necessidade de fortalecê-los, pois eles criam compartilhamentos de
responsabilidades entre governos e sociedade no planejamento e na gestão dos territórios
da cidade; democratizam processos de tomadas de decisões sobre assuntos de interesse
público; promovem maior transparência em relação às ações do governo; ajudam a
construir bases sociais para pactos em torno de projetos e propostas para o futuro; enfim,
contribuem para avanços concretos no processo democrático.
Para que esses conselhos se efetivem como potencialidades democráticas, é preciso criálos
como espaços de distribuição de poderes e de decisões conjuntas. Considerando que a
cidade é construção coletiva concretizada com o trabalho, energia e investimentos de
todos os cidadãos e cidadãs, nada mais justo que seu planejamento e gestão também
incluam a colaboração de todos e todas. A busca por cidades justas, democráticas e
sustentáveis é conjunta.

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