Dois sucos e a conta... com Ricardo Gouvêa
Dois sucos e a conta... com Ricardo Gouvêa
por Mauro Ventura
No dia 22, o arquiteto e urbanista Ricardo Gouvêa, de 55 anos, recebe no Rio
um troféu e US$ 100 mil em nome da Fundação Bento Rubião, que coordena. O
prêmio, dado pela prestigiada agência Habitat, da ONU, e patrocinado pelo
Reino de Bahrein, reconheceu o programa Terra e Habitação da ONG como a
melhor iniciativa do mundo. A cerimônia acontece no Fórum Urbano Mundial. O
destaque do projeto é a regularização fundiária-ou seja, a concessão de
títulos de posse e propriedade da terra a moradores de favelas e loteamentos
irregulares. Na Rocinha, oito mil casas estão sendo legalizadas. O programa
também constrói casas regularizadas em parceria com a população beneficiada.
"O Brasil tem um déficit de sete milhões de moradias", diz Gouvêa, morador
do Jardim Botânico. Graças ao projeto, surge agora um conjunto habitacional
para 144 famílias na Gamboa. Para lá vão moradores de favelas e grupos de
semteto.
Há outros oito conjuntos à vista. O maior, para 500 pessoas, em Nova Iguaçu.
O menor, para 18 idosas, em São Gonçalo. Uma delas celebra: "O bem maior da
Humanidade é a moradia.
Tendo moradia, o resto vai se acertando."
REVISTA O GLOBO: Dar a posse da terra aos moradores das favelas não é
premiar a ilegalidade? RICARDO GOUVÊA: Não. Primeiro que há critérios legais
para se regularizar uma casa: só pode se você mora há pelo menos cinco anos,
se não é dono de nenhum imóvel, se ela não fica em área de risco, se não é
área de proteção ambiental que não permita habitação e se não há contestação
judicial.
E a regularização traz vários benefícios.
Para começar, acaba com a política da bica d'água, em que o candidato troca
favores por voto. Se em vez de loteamentos irregulares você tem bairros
formais, significa que água, esgoto e luz passam a ser obrigação do Estado e
não favor de político.
Que outras vantagens o título de posse traz? Cerca de 30% do Rio são
irregulares. São quase dois milhões de pessoas em favelas e loteamentos.
Com a regularização, você está apto a fazer uma legislação urbanística para
aquele lugar, determinando desde a altura das construções até a existência
ou não de comércio. Você disciplina e orienta o crescimento da comunidade.
Além do mais, com a Abolição foi vedado aos negros recém-libertos o acesso à
terra. Então, regularizar significa reparar uma injustiça histó
Mas e para o morador do asfalto, em que contribui? É bom para toda a
sociedade. Com a regularização, o favelado pode pegar um empréstimo
hipotecando sua casa. E se anima a melhorar o imóvel. Sem contar que o preço
da casa valoriza até sete vezes. O morador tem aumento de renda, gasta mais
e aquece o comércio. Seriam injetados R$ 10 bilhões na economia do Rio.
Estudo do Banco Mundial diz que a regularização é uma das principais
estratégias de distribuição de renda.
A palavra remoção não é mais tabu. O que você acha? A legislação brasileira
torna inviável uma política de remoção de favelas indiscriminada. O que não
quer dizer que comunidades em áreas de risco ou proteção ambiental não
possam e não devam ser reassentadas, cumprindo os procedimentos legais.
Remoção só transfere o problema de endereço.
Tira da Zona Sul e vai estar no caminho de quem for para o aeroporto.
Remover não resolve, não é possível e não é legal. E você não tem dinheiro
nem terra para remover. E se tivesse não haveria capacidade governamental
para fazer tantas casas. Você precisa elaborar um projeto, aprová-lo na
prefeitura, enfrentar a burocracia. São cerca de 500 mil moradias
irregulares no Rio.
Mas ninguém quer morar ao lado de favela... Você moraria ao lado de uma
favela? Não escolheria morar perto de um local violento, qualquer que seja.
Não podemos construir uma sociedade do apartheid, seja racial, social ou
territorial. Não é a política urbanística que vai resolver o problema da
violência, e sim uma política de segurança pública. Levantamento do
Instituto Pereira Passos, da prefeitura, mostrou que os condomínios de
classe média e alta ocupam 70% das áreas acima dos cem metros de altitude.
Apenas 30% são favelas. Em número de pessoas isso muda (73,5% são
favelados), porque a densidade nas favelas é maior. Não se pode atribuir só
à favela dois problemas que são de toda a sociedade: as questões criminal e
ambiental.
Leia mais no blog do colunista:
http://oglobo. globo.com/ rio/ancelmo/ dizventura/
Email:mventura@oglobo. com.br
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