Wednesday, April 04, 2007

Vazios Urbanos

Vazios Urbanos e o Planejamento das Cidades
Caderno Nº 2 - Ano 2000
Nesta edição:

1.Do vazio ao Cheio
2. Enquete
3. Entrevista
4. Princípio da Contigüidade
5. Vazios Urbanos nas Cidades Latino - Americanas
6. Vazios Urbanos no Rio de Janeiro






Vazios Urbanos nas Cidades Latino - Americanas
Nora Clichevsky
Este trabalho apresenta os resultados da pesquisa “Vazios urbanos nas cidades latino-americanas: situação atual e propostas para sua utilização”, financiada pelo Lincoln Institute of Land Policy e realizada na Argentina, Brasil, Equador, Peru e El Salvador, entre 1997 e 1999.
No atual contexto de grandes transformações econômicas e sociais em nível mundial, as modernas formas de produção da cidade e as novas necessidades de diferentes padrões culturais e possibilidades econômicas, os vazios urbanos – objeto deste estudo – vêm assumindo um importante papel, vinculado, por um lado, às implicações econômico-sociais desta mercadoria especial que é a terra (gerando lucros extraordinários dos quais se apropriam determinados setores) e, por outro, à configuração espacial das cidades e áreas metropolitanas e a potencialidade que representam para as necessidades dos diversos segmentos sociais.


Sobre a questão conceitual

A preocupação dos especialistas em urbanismo, mercado de terras e renda urbana com o tema vazios urbanos e o melhor momento de incorporá-los ao mercado, tem sido quase nula na América Latina. Ainda que tradicionalmente o fenômeno dos vazios urbanos tenha surgido como expressão do poder da propriedade privada da terra, prejudicial para a cidade como um todo, não houve aprofundamento sobre os elementos que o explicam: que papel cumprem no funcionamento dos submercados de terra urbana e peri-urbana; quais são as conseqüências de sua existência na cidade e área metropolitana; que relações existem entre os vazios urbanos e as políticas fiscais destinadas à terra e habitação; e quais são as possibilidades de utilização ou reutilização, para melhorar a situação das áreas urbanas.
Os vazios urbanos são resultado do funcionamento do mercado de terras, das formas de atuação dos agentes privados e das políticas dos agentes públicos. A existência de diferentes submercados segmentados, porém interconectados global e estruturalmente, é uma questão chave para compreender a existência de terras vazias em nossas cidades, bem como a relação entre o mercado de terra urbana e a situação da terra rural.
Em nossas cidades coexistem uma grande variedade de tipos de terrenos vazios. Os vazios não só são encontrados nas áreas periféricas como também nas mais centrais ou intersticiais; eles definem, muitas vezes, as formas de crescimento das cidades, a partir da existência de loteamentos “salteados”, que deixaram vazias áreas de propriedade e tamanhos variados, com diversas situações urbanas e ambientais problemáticas.
Por outro lado, cada um dos agentes privados que atuam no mercado tem significado diferente; houve uma mudança importante dos mesmos, relacionada a novas demandas e ofertas urbanas. O capital incorporador intervem diretamente no processo de ocupação do solo, transformando seus usos com o objetivo de apropriar-se dos lucros que, de outra forma, seriam benefícios ou rendas extraordinários para o proprietário tradicional da terra. O Estado também modificou seu papel, em especial como detentor de terra, a partir da implementação das políticas de Reforma do Estado.
A existência de terras vazias é sinal, também, de que existem segmentos urbanos pobres que não podem ocupar terrenos que em algum momento puderam comprar ou pequenos agentes imobiliários que não os podem vender. As estratégias de intervenção do Estado para estes agentes serão significativamente diferentes daquelas adotadas para os grandes investidores ou incorporadores. Aqui a participação da população desempenha, seja através de seus organizadores ou de maneira individual, papel importante.
Em termos sócio-espaciais, a existência de vazios urbanos define, em parte, as formas de expansão urbana e os problemas conseqüentes derivados das baixas densidades que acarretam despesas maiores com instalação de infra-estrutura e, por outro lado, a existência de infra-estrutura instalada não utilizada, além dos problemas derivados do muito tempo gasto e das despesas com transporte. Expressa, portanto, iniquidade e irracionalidade em termos sociais, em relação a apropriação privada dos lucros produzidos socialmente. Para uma quantidade de terrenos sem utilização, o conjunto da sociedade tem que manter, a custos extremamente elevados, investimentos em infra-estrutura e serviços, assim como sua administração.
Isto significa que, enquanto grande quantidade de terra urbana - caracterizadas pela existência de infra-estrutura e equipamento - permanece sem ocupação, uma quantidade importante da população urbana pobre tem que produzir suas moradias em terras sem infra-estrutura, localizadas em áreas inadequadas para o desenvolvimento urbano (inundáveis, próximas a vazadouros de lixo, etc.) agravando os processos de segregação sócio-espacial.
O papel dos vazios urbanos poderia ser modificado se sua gestão fizesse parte de políticas de eqüidade urbana segundo objetivos políticos dos dirigentes e a participação dos diversos setores sociais. Para isto é necessário aportar elementos explicativos às diferentes situações de vazios, identificar os problemas que geram e as potencialidades de sua utilização, que são os objetivos deste trabalho. No momento em que se repensa planejamento e gestão urbana, os vazios urbanos poderiam assumir um papel importante para todos os segmentos sociais, conforme as políticas que o Estado implemente. Para os excluídos, um lugar onde viver; para os setores médios, possibilidades de áreas verdes, equipamento, recreação, etc; para os que investem nas cidades, acesso à terra para novos usos emergentes; para o Estado vendedor de terra, possibilidade de obter recursos num momento de ajuste fiscal; para a cidade como um todo, reserva para assegurar sua sustentabilidade e racionalidade do capital social incorporado não utilizado.


A respeito da pesquisa

A questão da eqüidade pretende ser uma das leituras fundamentais dos estudos e propostas de políticas sobre os vazios urbanos aqui apresentados. Dependerá, obviamente, da vontade política e da relação de forças entre os diferentes setores sociais para que estas políticas sejam elaboradas e implementadas com tal objetivo, em cada uma das cidades objetode estudo.
Dada a complexidade de situações diferentes e definições operacionais distintas a respeito de vazios urbanos, a ênfase colocada em cada um dos trabalhos é específica, ainda que os elementos explicativos - fundamentais para que se possa recomendar políticas para a utilização de vazios urbanos – e as propostas de gestão sobre os vazios sejam similares.
Os trabalhos de Lima e Rio de Janeiro enfatizam a análise de casos para explicar situações paradigmáticas na primeira das cidades e para propor intervenções na segunda. O estudo sobre Quito coloca as terras de "engorda", ou seja, as grandes extensões que ficam entre áreas urbanizadas, como as áreas mais importantes enquanto explicação do desenvolvimento urbano atual da cidade e sobre os quais é necessário propor forma s de gestão. A análise de San Salvador mostra uma dimensão diferente: vazios urbanos "latentes", ou seja, lotes que ainda se encontram ocupados por numerosas edificações de todo tipo, mas à espera de demolição, em virtude do seu nível de deterioração e obsolescência, no centro urbano. O caso de Buenos Aires mostra um leque de tipos de vazios urbanos, sobre os quais serão necessários diferentes instrumentos de intervenção.
É importante destacar que os vazios urbanos não tem sido tema de interesse por parte de pesquisadores, nas cidades analisadas, nem tampouco pelos organismos dedicados ao planejamento, em nenhum nível de governo. Paralelamente a isso, existe uma imensa dificuldade em se conseguir informação sobre o tema, dado que não há registros atualizados e disponíveis. Mesmo em alguns países, como o Brasil, onde atribui-se ao fenômeno dos vazios urbanos uma importância central nas questões de política urbana, os dados existentes são escassos e frágeis.
A totalidade dos estudos foi elaborada tratando de superar as insuficiências de informação existentes, pois dado às limitações para a realização da pesquisa, trabalhou-se fundamentalmente com fontes secundárias, entrevistas e compilação de informações de periódicos, mas não foi realizado um levantamento das terras sem uso em cada uma das cidades, o que teria permitido um maior nível de profundidade na análise.
Portanto, o resultado da pesquisa possui um caráter exploratório e pode ser considerado como uma primeira contribuição para o estudo sobre vazios urbanos, permitindo a formulação de hipóteses e recomendações gerais para sua gestão.


Os resultados

Os vazios urbanos nas cidades estudadas constituem uma porcentagem importante de suas áreas urbanizadas, e poderiam abrigar uma quantidade considerável de população que atualmente permanece sem acesso à terra urbana. Encontram-se em sua maioria localizados na periferia das cidades e áreas metropolitanas e, em menor escala, nas áreas centrais e intersticiais. A intensidade dos vazios é extremamente heterogênea dentro de cada área urbana, dependendo da forma de crescimento peculiar da cidade, dos tipos de proprietários, dos usos conforme as demandas, das expectativas não concretizadas de localização de atividades produtivas e das obras públicas realizadas e, em especial, das mudanças na acessibilidade provocadas pela construção de novas vias.
O período em que permanecem vazios difere nas áreas analisadas pois, enquanto em Buenos Aires há alguns casos de vazios de mais de quarenta anos, em Quito e Lima os vazios são novos, considerando-se a área de expansão urbana nos últimos anos.
Existe uma quantidade relativamente importante de terra vazia em condições urbano-ambientais capazes de acolher atividades residenciais ou produtivas. Esta capacidade instalada não utilizada significa um recurso social não aproveitado. Mas também existe uma quantidade de terra vazia com escassas ou nulas condições urbano-ambientais para ocupação, em termos de infra-estrutura básica, erosão, inundabilidade, risco sísmico, acessibilidade, etc. Isto ocorre em cidades onde eram poucas as regras para converter terra rural em urbana, como na Argentina, e onde não existiam áreas de preservação ecológica como é o caso de Quito.
Uma parte destas áreas vazias deveria, então, ser objeto de investimentos em infra-estrutura básica para utilização urbana. A outra parte, aquela com riscos de inundação, erosão, contaminação, deveria ficar excluída da possibilidade de ocupação, a menos que se realizassem grandes investimentos para preservá-las destes problemas ambientais. Por outro lado, é importante o papel que poderiam assumir os vazios urbanos como reserva ambiental vinculado à sustentabilidade urbana.
Os vazios urbanos estão nas mãos de: : 1-agentes – legais e ilegais – que produzem a terra urbana; 2-pequenos proprietários que puderam comprar, mas não ocupar; 3-agentes que compraram visando a valorização; 4-proprietários agrícolas; e 5-o Estado e outras instituições com suas políticas próprias.
Os preços são muito diferenciados por submercados e a população urbana pobre não tem condições de acesso à terra, como mostram os estudos de Buenos Aires e Lima. A valorização é maior nas áreas de grande dinamismo de expansão (vinculadas à melhor acessibilidade, à oferta de serviços, etc.). E, o que é muito importante: uma grande quantidade de terra vazia, pelo menos em algumas áreas estudadas, não está sendo ofertada, podendo ficar ainda vazia por um horizonte temporal incerto. É nestas terras onde parece ser mais fácil implementar políticas para sua utilização ou reutilização.
Na maioria das cidades não existe nenhum marco jurídico sobre vazios urbanos. Convém destacar que a legislação urbana tradicional não leva em conta a questão ambiental ou o faz muito superficialmente. As novas instituições ligadas à proteção ambiental, em nível municipal, estão desarticuladas das áreas dedicadas ao planejamento ou ao desenvolvimento urbano, salvo raras exceções.
Em nenhum dos casos considerados existia uma articulação das políticas de desenvolvimento urbano, ou específicas do mercado de terras, com a política tributária. Esta última não foi considerada importante. Ainda que em algumas cidades haja uma diferenciação nos tributos entre terra desocupada e construída, isto não significou, no tempo, uma real intervenção. Em Buenos Aires, por exemplo, mesmo existindo um imposto imobiliário diferenciado para propriedade edificada e terreno baldio (ou vazio), os valores a pagar por estes últimos diminuiu relativamente frente aos terrenos construídos. Em Quito, a legislação contém sanções tributárias para terrenos vazios que onera os proprietários, mas possui uma série de exceções e a aplicação efetiva do imposto está limitada devido ao baixo valor do tributo, que não estimula os proprietários o suficiente a edificarem. Em Lima a política tributária para o solo urbano também é muito frágil, pois as terras em processo de urbanização se encontram isentas de imposto e não existe obrigação para urbanizar.


Propostas de utilização e de reutilização

As propostas devem contemplar a atuação sobre as causas da existência dos vazios urbanos atuais e a prevenção de geração de novos. Obviamente que devem originar-se das possibilidades concretas para sua utilização, tanto do ponto de vista jurídico como dos objetivos políticos, econômicos e sociais. Entre os principais aspectos da implantação de políticas foram destacadas:
1. Política para os vazios urbanos relacionada à política global da cidade, respondendo às diferentes situações encontradas nas áreas urbanas.
2. Maior ingerência estatal no mercado de terras, tanto nos aspectos de produção como de comercialização e uso e ocupação do solo. É necessário definir o papel regulador do Estado, em seus diversos níveis, levando em conta os efeitos de suas políticas para cada um dos setores sociais.
3. Implementação de uma política que objetive diminuir a renda diferencial intraurbana, promovendo maior homogeneização do conjunto urbano. A política de vazios poderia ser utilizada como estratégia auxiliar para reduzir ou contrarrestar a dinâmica de estratificação sócio-espacial e, portanto, a segregação urbana.
4. Devem estar articuladas a outras políticas como: crédito ou subsídio para habitação ou materiais; assistência técnica para construção; expansão da redes de infra-estrutura de maneiras alternativas, baixando custos, ou anos de isenção de impostos e taxas de serviços, bem como para a escritura, se só possuem promessa de compra e venda do lote.
5. A utilização de vazios urbanos como instrumento de regulação dos submercados de terra. Isto pode efetivar-se através da colocação no mercado, por parte dos municípios, de suas reservas estratégicas de terra.
6. Os municípios podem realizar tais reservas através da compra de vazios intersticiais ou permuta de terras por dívida fiscal dos proprietários de terrenos vazios para com o município.
7. Os vazios urbanos próximos a áreas de risco podem ser utilizados para relocalizar a população instalada nestas áreas, possibilitando melhores condições de reassentamento.
8. A política de vazios deve facilitar e potencializar o funcionamento do mercado, reprimindo situações de obstrução em sua dinâmica. O Estado deve concentrar a regulação em áreas onde o mercado não atua com fluidez.
9. A política tributária deve estar relacionada aos objetivos da política urbana. As bases dos mecanismos de tributação devem ser ampliadas, devendo ser incorporados mecanismos de recuperação da mais-valia urbana gerada pelo investimento público.
10. As condições ambientais devem ser consideradas tendo como finalidade o desenvolvimento de uma política de uso do solo sem ocupação destinada a proteger a cidade para o futuro, assegurando sua sustentabilidade, assim como a efetividade dos planos de desenvolvimento urbano.
11. Deve-se avançar em processos de gestão urbana do solo com base na participação dos atores sociais envolvidos na construção da cidade.
12. Reutilização de vazios para outros fins: outros submercados urbanos ou usos agropecuários (para os quais devem ser realizadas modificações da situação legal da terra, pois tem que ser transformada de urbana em rural). Deve haver vinculação a uma política de uso rural, que depende de preços de produtos de horticultura, fruticultura, floricultura, etc.
13. Contribuição à racionalidade urbana: deve-se analisar a cidade em função da infra-estrutura instalada, com a finalidade de propor estímulos à ocupação dos vazios nas áreas com melhor infra-estrutura e reprimir o crescimento da cidade para as áreas mais carentes de infra-estrutura.
14. Vazios urbanos e soluções habitacionais. Os terrenos desocupados poderiam constituir-se em elemento chave para a recuperação da função habitacional, especialmente, e como contribuição no reordenamento das atividades econômicas.
15. Políticas para prevenir o aumento dos vazios urbanos. É necessário definir tanto instrumentos normativos quanto instrumentos fiscais.


Texto traduzido por Alice Amaral dos Reis






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