Monday, January 22, 2007

Refundar o não fundado: desafios da gestão democrática das políticas urbana e habitacional no Brasil

Refundar o não fundado: desafios da gestão democrática das políticas urbana e habitacional no Brasil
Fonte: Site Polis
Renato Cymbalista
Renato Cymbalista é arquiteto e urbanista, Mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e Coordenador do Núcleo de Urbanismo do Pólis.

Publicado em: 27/04/2005

Em 2003, houve a maior mobilização já vista de setores da sociedade pela participação popular na política urbana e habitacional no Brasil

As condições urbanas e habitacionais no Brasil: um quadro dramático

A rápida urbanização pela qual passou a sociedade brasileira foi uma das principais questões sociais do país no século XX. Em 1960, a população urbana representava 45% da população total – contra 55% de população rural. Em 40 anos, entre 1960 e 2000, as cidades brasileiras receberam 106 milhões de novos habitantes; vive hoje nas cidades 80% da população brasileira (Brasil, IBGE).

A urbanização vertiginosa, ao final de um período de acelerada expansão da economia brasileira, introduziu um novo e dramático significado: as cidades, nesse período, passaram a retratar – e reproduzir – as injustiças e desigualdades da sociedade. A precariedade habitacional vem assumindo contornos cada vez mais graves desde a década de 80, quando se inicia o período de estagnação da economia do país. Essa precariedade expressa-se nas favelas, que ocupam praças, morros, mangues e beiras de córregos, e que são maiores e mais densamente populadas nas grandes cidades; no superadensamento dos cortiços em regiões centrais e intermediárias das cidades; nos loteamentos irregulares e clandestinos, sem infra-estrutura e equipamentos públicos; nas ocupações irregulares de áreas ambientalmente frágeis. Entre 1991 e 2000, o número de favelas aumentou 22%, e a população morando em favelas é sempre expressiva nas maiores cidades: 20% no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, 22% em São Paulo, 31% em Fortaleza, 46% em Recife (MARICATO, 2001:38).

Esse aumento da precariedade habitacional relaciona-se em parte com o colapso da política de financiamento habitacional do país em meados da década de 80, com a quebra e desmonte do BNH. Ressalto o “em parte”, pois apenas cerca de um terço das 4,5 milhões de unidades habitacionais produzidas durante a existência do Banco foram destinadas aos setores populares. E ainda não se sabia que, depois, teríamos políticas habitacionais nacionais ainda mais frágeis.

Após o desmonte do SFH, o órgão federal responsável pela política habitacional experimentou um período de alta instabilidade: do Ministério do Interior, em 1985 o BNH passou para o Ministério do Desenvolvimento Urbano que, em 1987, transformou-se em Ministério da Habitação, Urbanismo e Desenvolvimento Urbano e, em 1988, em Ministério da Habitação e Bem-Estar Social, extinto em 1989. Então, a política de habitação voltou para o Ministério do Interior. Em 1990, foi criado o Ministério da Ação Social, depois Ministério do Bem-estar Social, onde passou a funcionar a Secretaria Nacional de Habitação. No Governo Fernando Henrique Cardoso, a Secretaria Nacional da Habitação foi subordinada ao Ministério do Planejamento e Orçamento; e foi instituída a Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano, vinculada à presidência da República, que se responsabilizou pelas instituições ligadas à política habitacional até 2003, quando foi criado o Ministério das Cidades, no qual se alocou a Secretaria Nacional de Habitação.

Essa instabilidade foi causa e efeito da impossibilidade de se constituir uma política habitacional efetiva em âmbito federal nesse período: por um lado, reflete a perplexidade do poder público ante ao desafio de reconstruir as bases financeiras de um programa habitacional de porte, em substituição ao BNH. Por outro lado, provoca novas dificuldades para o poder executivo construir programas e esquemas financeiros com algum grau de continuidade.

O enfraquecimento do FGTS resultou em significativa redução do montante disponível para habitação; a despeito de um aumento dos desembolsos pelo Governo Federal, os gastos com habitação, em 1990, representavam apenas 22% do valor gasto em 1980 (ARRETCHE, 1998:110). Extinto o BNH, e transferida a gestão do FGTS para a Caixa Econômica Federal, com a arrecadação em declínio nos anos 80 por conta da crise econômica, não apareceu no país nenhum novo projeto consistente e duradouro de política habitacional durante os governos Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.

A dificuldade de construir-se uma política nacional explica em parte o surgimento de respostas locais, que produziram arranjos sociais e políticos, em experiências importantes sob vários aspectos.

A redemocratização: novos atores sociais, novas propostas para a política urbana e habitacional

Com os primeiros governos civis iniciou-se um difícil processo de saneamento de um rombo financeiro herdado e buscou-se maior transparência nas contas do FGTS. A Lei 5.107/66, que criara o FGTS, instaurou também um Conselho Curador do Fundo; a representação dos trabalhadores no Conselho Curador do FGTS contribui ativamente para o saneamento do Fundo, na década de 90, numa intervenção inédita e importante, de representações populares nos rumos da política habitacional. Essas representações populares contudo visaram principalmente a proteger os recursos da poupança dos trabalhadores; conseqüência disso, contribuíram para tornar ainda mais evidentes as limitações daquele modelo de financiamento (ver leis nº 7.839 e 8.036, de 1990).

A situação agravou-se durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, que impôs progressivas dificuldades ao acesso de estados e municípios aos recursos do FGTS. Os recursos a fundo perdido anualmente previstos no Orçamento geral da União para a habitação de interesse social, considerados alternativa complementar, são pouco expressivos, são freqüentemente cortados e não levam a oferta relevante de habitação.

Além das questões de financiamento da política habitacional, que seguem sem solução, o processo de redemocratização implicou também a renovação dos atores sociais envolvidos na questão. Pela primeira vez na esfera nacional, os segmentos populares atuaram como sujeitos, e não como objetos ou mutuários da política; de atores passivos, passaram a atores ativos nos processos de construção das políticas.

Fator sem dúvida relevante nesse processo foram, a partir da década de 70, os movimentos populares de luta por moradia, em bairros e regiões de algumas cidades, depois em organizações cada vez mais abrangentes. O fim da década de 80 e a década de 90 caracterizam-se pela consolidação desses movimentos em redes nacionais, que reivindicavam progressivamente maior participação nas instâncias nacionais de decisão e condução das políticas. Os movimentos de luta por moradia no Brasil organizaram-se em agregações nacionais como a União Nacional de Movimentos de Moradia (UNMM) e o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLN), ambos integrantes da Central de Movimentos Populares (CMP), com atuação importante nos movimentos por moradia, e que agrega movimentos populares também nas áreas de transporte, gênero e raça. Além dessas, agregou-se também a Conam (Confederação Nacional de Associações de Moradores), existente desde o fim da década de 70 e que, na década de 90, passou a participar nos fóruns nacionais de disputa pela construção de novas políticas.

Além desses, aproximaram-se também o Fórum Nacional pela Reforma Urbana, a luta pela implementação do Fundo Nacional de Moradia Popular e o processo de implementação do Conselho Nacional das Cidades.

O período anterior à Constituição de 1988 foi de grande importância para que se conhecessem e reconhecessem muitos dos atores sociais comprometidos com o ideário da reforma das políticas urbanas e habitacionais. Os movimentos de luta por moradia agregaram-se a ONGs, representantes de setores profissionais e universitários e técnicos do poder público comprometidos com a democratização do planejamento e da gestão, na ampla coalizão denominada “movimento nacional pela Reforma Urbana”, depois renomeada “Fórum Nacional de Reforma Urbana”.

Desde então, esse Fórum tem sido um dos principais espaços de colaboração entre os movimentos de luta por moradia, e de interlocução de suas principais lideranças com outros segmentos da sociedade, e com o poder público.

A primeira grande conquista popular foi a inclusão de um capítulo de Política Urbana na Constituição de 1988, por Emenda Popular – Emenda Pela Reforma Urbana – que alcançou 250 mil assinaturas e criou o capítulo da política urbana.

Nesse capítulo, reconhecem-se as questões urbanas como tema de interesse nacional a partir de três parâmetros: a função social da propriedade e da cidade; a gestão democrática da cidade; e o direito à cidade e à cidadania (CF, art. 182 e 183).

Apesar de o Brasil ser reconhecido na esfera internacional do Direito à Moradia desde 1992, no contexto da criação da Agenda Habitat, só em 2000 o direito à moradia foi incluído no texto constitucional, por emenda constitucional.

A Constituição redefiniu também as competências das esferas federativas: à União, compete “instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos. A promoção de programas de construção de moradias, a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico são competências comuns da União, Estados e Municípios.

Aos municípios, cabe a promoção do ordenamento territorial, por meio do planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo (art. 21 a 30)”.

Experiências municipais de Políticas habitacionais sobre bases democráticas

Pela Constituição de 1988, os municípios foram promovidos à categoria de ente federativo, co-responsável por promover as políticas habitacional e urbana. Isso potencializou experiências já em andamento, no esforço de preencher o vácuo criado pelo esvaziamento da política nacional, e fez surgir novas soluções no nível local.

Algumas delas foram fundamentais para responder aos desafios, influenciando decisivamente a formulação de propostas em nível nacional, especialmente quanto à participação das comunidades, como sujeitos ativos.

Em Recife, foram criados perímetros específicos, nos quais as favelas são designadas como Zonas de Especial Interesse Social (ZEIS) e legitimam-se as ocupações populares, algumas nos bairros mais bem localizados da cidade. Cada ZEIS recebe um plano de urbanização, e a política para cada área é construída por uma Comissão de Urbanização e Legalização da Posse da Terras de Especial Interesse Social, composta de integrantes da comunidade (BOTLER e MARINHO, 1997:33-43).

Em São Paulo, uma política habitacional para a produção massiva de unidades novas em locais distantes e segregados deu lugar, no período 1989-1992, a uma política diversificada, com urbanização de favelas, intervenção em cortiços, regularização fundiária e provisão de unidades novas (por empreiteiras e em regime de mutirão), em muitos projetos dos quais a comunidade participou ativamente. Nos projetos em mutirão, houve inovações importantes, como a construção de unidades verticais e a idéia de autogestão: mais do que doar horas de trabalho para construir, as comunidades organizadas reduzem os custos da moradia, conforme assumem cada vez mais o gerenciamento dos recursos (CYMBALISTA e ROLNIK, 2003).

Em São Paulo, de 2001 a 2004, trabalhou-se no sentido de prover-se habitação de interesse social nas regiões centrais do município, demanda cada vez mais claramente explicitada pelos movimentos de luta por moradia no Centro da cidade. Em escala reduzida, o Programa Morar Perto combina uma série de instrumentos: provisão de novas unidades; locação de imóveis, com subsídios (como a Locação Social ou a Bolsa Aluguel); iniciativas regulatórias (delimitação de ZEIS em áreas desocupadas ou ocupadas por cortiços); e IPTU Progressivo no Tempo. Essas iniciativas são articuladas pelo Plano Diretor Municipal, aprovado em 2001, e geridas pelo Conselho Municipal de Habitação, com representantes escolhidos em eleições diretas (CYMBALISTA e MOREIRA, 2002).

Em Diadema, a partir de 1993, a idéia das ZEIS foi aprofundada, articulando-se as políticas habitacional e fundiária do município: parte significativa das áreas desocupadas do município foram designadas como Áreas de Especial Interesse Social, só podendo ser ocupadas com projetos de habitação de interesse social. Na prática, criou-se uma reserva de terras para os mais pobres da cidade – redistribuição notável da riqueza fundiária, num país onde os padrões de zoneamento sempre funcionaram no sentido contrário, com reserva de terras para os mais ricos. Essa redistribuição de poder foi tema de muitos embates entre os movimentos organizados de luta por moradia e a Câmara dos Vereadores, esta pressionada de um lado pelas bases eleitorais e, de outro lado, pelos interesses dos proprietários de terras no município, os quais, de início, resistiram à mudança no zoneamento (MOURAD, 2000).

Em Belo Horizonte, desde 1989 vem sendo construído um sistema municipal de política urbana e habitacional, com as respectivas instâncias participativas: Conselhos de Habitação e Política Urbana, Conferências Municipais de Política Urbana (quadrienais). Desde 1995, há em Belo Horizonte o Orçamento Participativo da Habitação, que destina à habitação uma parcela dos recursos municipais, cujo emprego é decidido de forma participativa, pelas regras do Orçamento Participativo (CYMBALISTA, 2001).

Porto Alegre vem realizando desde 1990 uma ambiciosa política de regularização fundiária em áreas centrais do município, com reassentamento dos grupos deslocados pelos processos de regularização e reurbanização, com legitimação dos assentamentos informais e manutenção das populações nas regiões bem localizadas do município (OSÓRIO, 1998).

Há elementos comuns a todas essas experiências: os setores populares reposicionam-se na construção da política, como interlocutores e participantes; e a maior presença do Município na implantação dessas políticas. Os estados, que têm políticas habitacionais, mostraram-se impermeáveis às inovações.

Mas os municípios, mesmo nas experiências mais inovadoras, não foram capazes de equacionar inteiramente o problema do déficit habitacional – que exige muitos recursos e continuou crescendo nesse período de dificuldades econômicas. Falta nessa cadeia,justamente, um sistema nacional de financiamento. Mas as experiências municipais revelaram elementos fundamentais para qualquer política habitacional bem-sucedida: ela tem de ser diversificada e articulada à política fundiária; e, principalmente, que a participação e a co-responsabilização dos atores sociais são indispensáveis.

As Políticas Nacionais pós-Constituição

O mais específico da política urbana e habitacional começou na regulamentação da Constituição de 1988. Saúde, Assistência Social, proteção da criança e do adolescente (o SUS, o ECA, a LOAS) conseguiram ser regulamentados e implementados em prazo relativamente curto (até meados da década de 1990), mas a política urbana demorou mais; e a política habitacional segue sem regulamentação completa. O Estatuto da Cidade tramitou no Congresso desde 1990, e só foi aprovado em 2001 (Lei 10.257/01), depois de longa negociação e mediante pressão dos setores populares representados no Fórum Nacional pela Reforma Urbana.

Para a Habitação, os movimentos populares construíram uma proposta de sistema nacional de política habitacional e urbana, no início da década de 90, com o apoio de diversos atores progressistas. Dentre as inovações propostas no projeto estão: reconhecer as associações e cooperativas como agentes promotores da habitação; atender as demandas por moradia não só com construção de unidades novas, mas com alternativas adequadas a cada região; um conselho deliberativo e tripartite (governo, usuários, empresas) para gerir o Fundo; descentralizar recursos; e a participação da população em todas as etapas do processo. A proposta foi consolidada no PL 2.710 e, desde 1992, vem sendo negociada e reformulada.

Dessa discussão resultou um substitutivo ao PL 2.710, negociado como “emenda global” com Caixa Econômica Federal (CEF), Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior (CDUI), Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano (SEDU), Câmara Brasileira da Construção Civil (CBIC) e outros.

Apesar da pressão permanente dos movimentos de luta por moradia, o Projeto só voltou a tramitar no início de 2003, já sob o governo Lula.

Em 2003, houve a maior mobilização já vista de setores da sociedade, pela participação popular na política urbana e habitacional no Brasil. A partir de agosto, foram realizadas milhares de Conferências Municipais das Cidades, em muitos municípios, que elegeram delegados para as 27 Conferências Estaduais das Cidades; esses delegados elegeram os 2.500 delegados para a Conferência Nacional, na qual foi eleito o Conselho Nacional das Cidades (14 representantes do Poder Público Federal; 6 do Poder Público Estadual; 10 do Poder Público Municipal; 19 de Movimentos Populares; 7 de entidades empresariais; 7 de entidades de trabalhadores e sindicais; 4 de instituições acadêmicas e de pesquisa; e 3 de ONGs).

O Conselho Nacional das Cidades provocou mudanças no PL 2.710, quanto à participação popular. No início de 2004, o Governo Federal apresentou um substitutivo, enviado à Câmara dos Deputados e aprovado em junho de 2004. Na versão aprovada, o Conselho Nacional de Habitação foi substituído pelo Conselho Nacional das Cidades; e sua Câmara Técnica de Habitação (uma das subdivisões do Conselho) foi criada oficialmente como instância de gestão participativa da política. Esse PL está sob análise da Comissão de Constituição e Justiça do Senado (PLC 00036/2004).

Enquanto esse projeto tramita no Senado, o Governo Federal vem construindo a Política Nacional de Habitação, que institui o Conselho Nacional das Cidades como a instância de participação no nível federal. A Câmara Técnica de Habitação, composta de conselheiros e presidida pelo Secretário Nacional de Habitação, é a instância em que se discutem as diretrizes e estratégias da política. Por essa política, estados e municípios terão de aderir ao Sistema Nacional de Habitação para obter parte dos recursos para a moradia; e exige-se que as políticas do estado ou município prevejam instâncias participativas, gerindo Fundos Municipais e Estaduais de Habitação.
Diferentemente de outros sistemas, como o de Saúde ou de Assistência Social, não se exige que haja um Conselho Estadual ou Municipal específico de Habitação. Reconhecem-se, assim, as diferentes realidades dos municípios, cujas políticas habitacionais e urbanas têm sido acompanhadas ou geridas por vários conselhos: de habitação, de política urbana, de desenvolvimento urbano, de meio ambiente, ou conselhos que combinam várias dessas denominações. Está implícita aí a idéia de empoderar as instâncias já existentes de participação na política urbana, em vez de criar-se mais um conselho, além dos vários já em funcionamento. A política e o Projeto de Lei exigem planos municipais e estaduais de habitação, também construídos com participação popular (BRASIL, 2004).

Perspectivas e Considerações Finais

Espera-se que o Senado Federal aprove o PLC 00036/2004, completando assim a estrutura institucional do Sistema, com Secretaria Nacional de Habitação (órgão executivo); Conselho Nacional das Cidades (órgão gestor participativo); Fundo Nacional de Moradia Popular; Conferências bi-anuais ou quadrienais das Cidades, em níveis municipal, estadual e federal (instâncias democráticas de debate da política e de escolha de representantes); Conselhos e Fundos, nos níveis estadual e municipal.
Já se sabe, no entanto, que a moldura institucional é necessária, mas não suficiente para reverter o triste quadro da habitação dos mais pobres. Por um lado, permanece a incerteza quanto aos recursos a fundo perdido que entrarão no sistema. Diferentemente de políticas de saúde e educação, não foi possível até agora garantir recursos “carimbados” para a política de habitação, a qual tudo parece indicar que permanecerá em grande parte dependente dos recursos do FGTS.

Talvez mais complexa do que a questão dos recursos financeiros é a articulação da política habitacional com a política fundiária. Esta última deve ser construída a partir dos Planos Diretores Municipais, mais sujeitos à ação de forças do nível local, freqüentemente conservadoras; em muitos casos, o desenho político é refratário à abertura de espaços centrais para a moradia popular, reservando-se aos mais pobres o lugar de sempre: nas bordas da cidade.

O momento, como se pode ver, é muito complexo: por todos os lados surgem críticas e questionamentos aos espaços e mecanismos de participação direta da população nas políticas públicas, em várias áreas da gestão pública – permanência do clientelismo, impossibilidade de efetiva repartição de poder e riqueza, cooptações. Enquanto isso, um grupo de atores está ainda na luta para implementar um sistema que, provavelmente, nascerá com poucos recursos e em um contexto macroeconômico adverso.

Será que esse sistema já nascerá velho?

Referências bibliográficas

ARRETCHE, M. (1998) Política habitacional entre 1986 e 1994. In: ARRETCHE, M. e RODRIGUEZ, V. (orgs.) Descentralização das políticas sociais no Estado de São Paulo. São Paulo: Fundap/Ipea/Fapesp.
BOTLER, M. e MARINHO, G. (1997) O Recife e a regularização dos assentamentos populares. In ROLNIK, R. e CYMBALISTA, R. (orgs.), Instrumentos urbanísticos contra a exclusão social. São Paulo: Instituto Pólis (Pólis 29).
CYMBALISTA, R. e ROLNIK, R. (2003) Communities and local government: a case study in São Paulo – Housing construction in the Apuanã self-managed community project. In: HARRISON, P., HUCHZERMEYER, M. & MAYEKISO, M. (orgs). Confronting fragmentation: housing and urban development in a democratic society. Johannesburg: Juta&Co/University of Cape Town Press.
BRASIL. Ministério das Cidades (2004) Política nacional de habitação (mimeo).
CYMBALISTA, R. (2001) Conselhos de Habitação e Desenvolvimento Urbano. São Paulo: Pólis. Cadernos Pólis, 1.
CYMBALISTA, R. e MOREIRA, T. (2002) Habitação – Conselho Municipal. São Paulo: Instituto Pólis/IEE-PUC-SP. Cadernos do Observatório dos Direitos do Cidadão, 10.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo. 1960, 1970 e 2000.
MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: Alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Vozes, 2001.
MOURAD, Laila Nazem. Democratização do acesso à terra em Diadema. Dissertação de Mestrado. FAU-PUCCAMP, 2000.
OSÓRIO, Letícia. Regularização fundiária de assentamentos informais em Porto Alegre. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1998.

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