Recomendo a leitura..A nova Política Nacional de Habitação
A nova Política Nacional de Habitação
Erminia Maricato
Uma das conquistas mais importantes do governo Lula foi a formulação de um novo paradigma para estruturar a Política Nacional de Habitação com a ajuda do Conselho das Cidades e do Conselho Curador do FGTS. No entanto essa façanha é desconhecida até mesmo pela maioria dos parlamentares petistas além de grande parte do governo.
Essa construção foi inspirada na tese desenvolvida no Projeto Moradia, elaborado no ano de 2000, no Instituto Cidadania, que previa também a construção do Ministério das Cidades e a elaboração de uma Política Urbana com as propostas setoriais de saneamento, transporte/trânsito e planejamento territorial além da habitação. A estrutura da tese é relativamente simples e óbvia apesar de original: ampliar o mercado privado (restrito ao segmento de luxo) para que este atenda a classe média e concentrar os recursos financeiros que estão sob gestão federal nas faixas de renda situadas abaixo dos 5 salários mínimos onde se renda situada abaixo dos 5 salários mínimos onde se concentra 92% do déficit habitacional e a grande maioria da população brasileira.
De fato, o mercado privado legal (financiamento, construção e comercialização privados) atinge aproximadamente 30% da população brasileira apenas. Isso explica porque trabalhadores de classe média que tem emprego formal regular (condição de apenas 50% da população) estão morando em favelas. Funcionários da USP moram em favelas onde encontramos até alunos de pós-graduação. Boa parte dos policiais do Rio de Janeiro também. O mercado privado está, há muitos anos, restrito ao segmento de luxo como apontam inúmeros estudos. O produto mais vendido é o apartamento com vários banheiros (porque tantos?) com uma espécie de clube privativo no condomínio.
Foi devido à falta de alternativas que a classe média se apropriou, desde a vigência do BNH, mas especialmente nos últimos anos, de recursos públicos ou de fundos que estão sob gestão nacional dificultando ainda mais o atendimento da baixa renda. Desde a extinção do BNH, em 1986, o governo federal se ausentou da formulação de uma política que fosse além de programas isolados que sofriam mudanças constantes. Nas décadas de baixo crescimento econômico e falta de política habitacional e urbana, 1980, 1990 e início da década de 2000 as favelas apresentaram um crescimento explosivo. Em 2000 e 2002 praticamente 60% dos recursos sob gestão federal foram destinados às famílias que ganhavam mais de 5 s. m. que representam 8% do déficit habitacional. Para reverter essa tendência e dar prioridade às faixas mais baixas de renda na aplicação dos recursos sob gestão federal seria necessário ampliar o mercado privado de modo a atender à classe média.
O governo federal tomou duas medidas principais para ampliar o mercado: enviou ao Congresso Nacional um Projeto de Lei com a finalidade de dar segurança jurídica e econômica ao mercado privado bastante frágil em função da alta inadimplência. A lei 10.391, aprovada em 2004, foi iniciativa do Ministério da Cidades, do Ministério da Fazenda e de empresários ligados ao financiamento, construção e comercialização da moradia de mercado.
A segunda medida tomada para ampliar o mercado privado foi a resolução n.3259 aprovada pelo Conselho Monetário Nacional que tornou desvantajosa para os bancos, a retenção de recursos da poupança privada, no Banco Central. Contrariando a absurda condição vigente nos últimos anos, parte dos recursos de poupança está sendo investido em atividade produtiva, obrigatoriamente. Como pode ser constatado facilmente, o desempenho do mercado imobiliário tem crescido continuamente com a implementação dessas medidas. Resta aguardar das entidades do mercado uma estratégia de simplificação do produto que está sendo oferecido para que ele cumpra um papel mais eficaz no atendimento às faixas de renda situadas entre 5 e 10 s.m. Algumas empresas privadas (poucas) conhecem esse caminho e podem ensinar aos produtores da arquitetura inspirada em Miami.
Para as faixas da chamada Habitação de Interesse Social as providencias foram ampliar os recursos e os subsídios desafiando a camisa de força do forte contingenciamento nos gastos federais. Em 2005 o governo federal dispõe de mais de R$ 10 bi, o maior orçamento desde início dos anos 80, para financiamento habitacional. A ampliação se deu por meio de várias fontes (OGU, FAT, FAR, FDS, Tesouro Nacional) mas em especial por meio do FGTS que tem apresentado ótimo desempenho. Cuidando para garantir a saúde financeira desse fundo que é dos trabalhadores celetistas, o Ministério das Cidades e o Conselho Curador do FGTS lograram definir um aumento de R$ 1,2 bi nos subsídios oferecidos pelo governo federal (resolução 460 do CC do FGTS) além de quase dobrar o orçamento para a área de habitação para 2005. O desafio de gastar esses recursos tem sido enfrentado pela Caixa Econômica Federal que está implementando mudanças já que não foi preparada, nos anos anteriores, para dar prioridade ao segmento social e nem para realizar um orçamento tão significativo.
A nova Política Nacional de Habitação deve ser complementada pela regulamentação da Lei nº 11.124/2005 – que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social - SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social - FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS – primeiro PL de iniciativa popular que aguardou quase 13 anos para ser aprovado no Congresso Nacional, o que aconteceu neste ano de 2005. Com o novo Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social previsto na lei espera-se agregar, além de mais recursos do OGU, recursos de Estados e municípios no esforço de somar subsídios que ajudem a oferecer moradias para os que estão engrossando e ampliando as favelas e os loteamentos clandestinos em todo o Brasil o que, neste começo de milênio, está longe de constituir uma minoria da população brasileira. (Algumas estimativas mostram que mais de 50% da população de Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, São Luiz e Belém são ilegais.)
Outra parte complementar a essa proposta diz respeito à política fundiária que, extremamente conservadora e arcaica, contribui para a escandalosa exclusão social em nossas cidades. Já há lei para avançarmos na construção de uma cidade mais justa e solidária : o Estatuto da Cidade, por meio da aplicação da função social da propriedade. Mas isso é tema para uma nova oportunidade. Sem essa construção não há como diminuir a desigualdade social. Até mesmo para o combate à violência em áreas sobre as quais o Estado perdeu o controle, essa proposta é fundamental.
A construção de uma Política de Estado para habitação, mencionada aqui, não está totalmente consolidada. Ela depende de um conjunto de esforços do Banco Central (que monitora os investimentos dos Bancos privados), do Ministério da Fazenda, do Conselho Curador do FGTS, do Ministério das Cidades e da Caixa Econômica Federal. Algumas medidas tomadas recentemente como a chamada “MP do Bem” ou como as últimas decisões do Conselho Curador do FGTS (12 de setembro) que ampliou as faixas de renda a serem atingidas pelos financiamentos (até R$ 4,9 mil ou 16 s.m.de renda em S. Paulo, Brasília e Rio) podem inviabilizar a arquitetura do Sistema que tem um caráter integrado e distributivo.
É muito difícil no Brasil construir políticas que integrem diversos órgãos de uma estrutura "feudalizada" e especialmente, que distribuam renda. São duas condições que contrariam o caráter patrimonialista do Estado brasileiro. É preciso cautela para que interesses imediatos não inviabilizem uma proposta que fornece um paradigma sustentável e que dá perspectiva de longo prazo à política habitacional. E isto é fundamental para salvar nossas cidades.
Fonte: http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/04textos/novpohab.doc
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