Thursday, August 09, 2007

Cidades populosas são um desafio para a democracia

Cidades populosas são um desafio para a democracia
Para especialista internacional, Constituição e estatuto brasileiros são marcos para a divisão da terra em todo o mundo

Sergio Duran

Leis como a Constituição do Brasil de 1988 e o Estatuto das Cidades, de 2001, servem de exemplos mundiais de marco jurídico para a divisão justa da terra urbana. É o que diz o sul-africano William Cobbett, diretor-geral da Aliança de Cidades, organização internacional que reúne governos de 24 países com o objetivo de reduzir a pobreza nas áreas urbanas.

Considerado um dos maiores especialistas em urbanização de favelas, ele afirma que crescimento econômico não é suficiente para melhorar as condições de moradia nas cidades, e sim um posicionamento claro do poder público em favor dos pobres, diante do que chama de hostilidade da classe média e da elite política. Ele conversou na sexta com o Estado, em uma sala da Escola Politécnica da USP, que serve de escritório para a Aliança.

Qual sua opinião sobre o resultado da pesquisa que indicou aumento da população nas favelas de São Paulo, sem que a área ocupada por barracos se altere?

Primeiramente, queria deixar claro que a Prefeitura fez um excelente trabalho. Mostra que a cidade está preparada para criar programas de urbanização com conhecimento real da situação. Há países em que as favelas não figuram nem no mapa.

A superintendente de Habitação Popular de São Paulo, Elisabete França, acredita que o problema das favelas pode ser resolvido entre 16, 20 anos.

É uma observação inteligente. O nosso slogan (Um mundo sem favelas) diz isso, que é possível ter cidades sem favelas. Certamente não é removendo as ocupações, mas reconhecendo a contribuição de sua população à formação econômica, política e social do lugar.

Alguma cidade conseguiu isso?

Londres, Paris...

Sim, mas há muitos anos...

É uma brincadeira minha, mas é para fazer refletir. Ninguém imagina que um dia houve favela em Londres, mas houve. Nas capitais dos países em desenvolvimento, (o problema das moradias irregulares) é o desafio das próximas cinco décadas. Na América Latina, 75% da população já vive nas cidades. No Brasil, 85%. Mas isso significou crescimento das favelas. Em 1950, Ottawa, no Canadá, tinha a mesma população de Lagos, na Nigéria: 500 mil habitantes. Hoje, Ottawa tem 1,3 milhão de moradores; Lagos, 13 milhões.

Mas a diferença básica entre esses países é a economia. Crescimento econômico não resolve?

Em sociedades como a brasileira e a sul-africana, parecidas em vários aspectos, esse crescimento não é dividido de forma igualitária. Por isso é importante uma intervenção do Estado para garantir o acesso da população pobre aos recursos. A elite política e a classe média têm atitude hostil para com os pobres urbanos.

Recentemente, a prefeitura do Rio anunciou um projeto de urbanização do Complexo do Alemão, na tentativa de combater o tráfico de drogas. O que o senhor acha desse modelo de combate à violência com urbanismo, inspirado em Medellín, na Colômbia?

Não conheço o modelo colombiano. O Rio é um caso extremo, mas não é único no mundo. Há um quadro claro de abandono da população pobre. Quando o Estado deixa um lugar, ele é ocupado pelo poder paralelo. Como secretário (de Habitação) da Cidade do Cabo (na África do Sul), de 1996 a 1998, enfrentei isso. A urbanização é um meio eficaz de o Estado retomar o controle.

Nas favelas de lá havia o tráfico de drogas?

Havia gangues, mas não é necessário nem o tráfico. Quem mora em favelas continua precisando de água potável, energia elétrica. Sem o Estado, esses serviços são fornecidos por outros, geralmente a um preço muito superior.

Como está o Brasil em relação a outros países nessa área?

A Constituição de 1988 e o Estatuto das Cidades (2001) estão entre as referências mundiais de marco jurídico para a divisão justa da terra urbana. Mais do que urbanizar favelas é preciso criar políticas preventivas para cidades cada vez mais populosas. A urbanização da população mundial impõe o maior desafio já vivido pela democracia. Não há planejamento de cidade que destine lugar aos pobres. Veja Brasília. Foi projetada para tudo, menos para os pobres. E precisa deles para funcionar, como qualquer outra cidade.
Fonte: Jornal Estado de São Paulo(15.07.2007)

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