Produção de baixa renda no México
Modelo popular
Missão de construtores vai ao México conferir produção para baixa renda
Fonte: Revista Construção ( maio 2007)
O México criou em pouco mais de uma década uma engrenada máquina de produzir moradias. Foram 650 mil unidades em 2006 e acredita-se que serão 850 mil unidades neste ano. O preço médio de uma casa é de US$ 36 mil ou cerca de R$ 80 mil, mas os maiores empreendimentos atacam um flanco de menor poder aquisitivo, entre US$ 17 e US$ 22 mil. O salário mínimo no México é de US$ 150. Neste segmento, o de baixa renda, cerca de 80% dos compradores são adquirentes do primeiro imóvel. O governo mexicano pretende erradicar o déficit, que é semelhante ao do Brasil, até 2015, e depois manter uma taxa de produção de reciclagem da ordem de 600 mil unidades.
Essa enorme oferta de imóveis populares só se tornou possível graças a três acontecimentos: a revisão de um dispositivo constitucional, em 1993, permitindo a partilha dos ejidos (propriedades comunais), o que aumentou a oferta de terrenos, sobretudo nos cinturões das grandes cidades; a reestruturação do sistema financeiro após o colapso de 1994, conhecido como efeito Tequila e, principalmente, graças a um pacto nacional em favor da criação de um mercado de habitações populares, com papéis bem definidos do Estado e da iniciativa privada, garantias e um atraente mercado de hipotecas, no qual competem bancos estrangeiros e hipotecarias.
GEOGRAFIA Área: 1.972.547 km2.
Capital: Cidade do México.
Cidades: Cidade do México (aglomeração urbana: 18.660.221 em 2003, cidade 8.605.239 em 2000), Guadalajara (1.646.183), Ecatepec (1.621.827), Puebla (1.271.673), Netzahualcóyotl (1.225.083), Juarez (1.187.275), Tijuana (1.148.681).
POPULAÇÃO 108,3 milhões (2006).
GOVERNO República Presidencialista.
Presidente: Felipe Calderón Hinojosa (PAN) (desde 2006).
Divisão Administrativa: 31 Estados e um Distrito Federal.
ECONOMIA Moeda: peso mexicano;
cotação para 1 US$, 10,95 pesos (setembro/2006);
PIB: 676,5 bilhões (2004). Força de trabalho: 42,4 milhões (2004).
Fonte: Almanaque Abril 2007
A adesão ao Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio) também é apontada como uma das razões do crescimento, menos pelos investimentos, dizem, e muito mais por ter ajudado a ordenar diversos setores do país, inclusive o financeiro. O PIB do México mais que dobrou entre 1990 e 2001. As polêmicas indústrias "maquilladoras", que atravessaram a fronteira junto com o tratado, não representam hoje 10% da indústria. As empresas norte-americanas mandavam componentes para cidades próximas do outro lado da fronteira e recebiam de volta os produtos montados com baixo custo de mão-de-obra.
Para conhecer esse país de tantas reviravoltas como o nosso, mas que na construção cresce a passos largos, saiu de São Paulo no final de março uma missão do Comitê de Tecnologia e Qualidade do SindusCon-SP formada por construtores, incorporadores e fornecedores, em sua maioria empresários com foco em habitações para classe média, classe alta e habitações populares. Eles foram ver de perto como funciona essa "máquina" de produzir moradias e trazer lições para o Brasil .Além de visitar obras, o grupo do SindusCon-SP, coordenado por Salvador Benevides, foi recebido por executivos de associações setoriais da construção, órgãos públicos de fomento à habitação e sociedades financeiras, em Guadalajara e na Cidade do México.
Interesse mexicano
Mal desembarcaram de volta ao Brasil, decididos a levar um relatório ao Ministério das Cidades, Caixa Econômica Federal e agentes do mercado imobiliário, os construtores foram surpreendidos pelo interesse dos players mexicanos em disputar o mercado brasileiro de baixa renda, respaldados pela experiência de mais de uma década de intensa atividade. Referir-se aos interessados como players não denota apenas um mercado competitivo. De fato, muitas dessas empresas, construtoras, sociedades financeiras e bancos comerciais são gigantes, com ações em bolsa e atuação internacional. Basta destacar a grande competitividade dos bancos e investidores espanhóis, que têm muito dinheiro mas não onde aplicar.
A Homex, por exemplo, da família mexicana Nicola mas que tem entre seus poderosos investidores o norte-americano Sam Zell, do Equity International, tem olhado com carinho para o Brasil e não é de hoje. Uma de suas executivas preparava-se, durante nossa visita, para sondar o mercado brasileiro de mais de sete milhões de habitações. Só em 2005, a Homex emitiu mais de US$ 250 milhões em títulos. No Brasil, o Equity, de Zam Zell, opera pelas mãos do empresário Carlos Betancourt, da Bracor Investimentos Imobiliários, cujo foco ainda é o de galpões e unidades industriais.
Em sentido contrário, a Gafisa (que também tem negócios com o Equity) e a Odebrecht enviaram ao México seus melhores "olheiros", apenas uma semana depois da Missão do SindusCon-SP.
Outra forte empresa, a Hipotecaria GMAC, na verdade um braço do banco General Motors, teria sondado terras brasileiras de olho em nosso atraente mercado de securitização. Em 2000, chegou a convidar, segundo fontes de mercado, um executivo da Cibrasec (Companhia Brasileira de Securitização) para estruturar a empresa no mercado brasileiro, mas desistiu na época. A GMAC, porém, está de volta há algum tempo e detém 20% da Rio Bravo Securitizadora.
Redesenho institucional
O México não possui políticas de isenção de impostos sobre materiais nem para construção de habitações. Têm subsídio apenas as habitações para trabalhadores que ganham até 2,5 salários mínimos, por meio do Fonhapo (Fondo Nacional de Habitaciones Populares) ou pelos institutos locais nos municípios e Estados. Governos e empresários repartem custos de infra-estrutura, sem medidas ou regras objetivas, como num pacto social.
Na miríade de siglas e entidades de fomento à habitação do sistema mexicano, destacam-se duas, que juntas respondem por quase 70% das emissões de crédito. Criados nas décadas de 1970, o Infonavit (Instituto del Fondo Nacional de la Vivenda para los Trabajadores) e Fovissste (Fondo de la Vivenda del Instituto de Seguridad y Servicios Sociales de los Trabajadores del Estado) (respectivamente, o instituto para "vivenda" dos trabalhadores privados e o dos trabalhadores públicos) respondem por cerca de 60% dos créditos; a Sociedad Hipotecaria Federal 12 a 13% e as sociedades financeiras de objeto limitado e bancos, 20%.
Até o ano de 2000 o setor era fortemente regulado e cabia a esses institutos a tarefa de planejar, destinar recursos e construir as habitações. Hoje, apenas executam a arrecadação fiscal em folha, fornecem crédito aos mutuários e incorporadores e administram a carteira de recebíveis. Trabalhadores das empresas privadas contribuem ao Infonavit com 5% do salário, descontado em folha, e os empresários com a mesma contrapartida. Cotizantes do Fovissste (trabalhadores públicos), contribuem também com 5% mas sem contrapartida do Estado.
Financiamento
Para comprar uma moradia, o cotizante checa seu credit score num terminal de uma das agências dos institutos e verifica se tem os 116 pontos (no caso do Infonavit) necessários para solicitar a carta de crédito. A sua pontuação considera fatores como idade, antiguidade no emprego, tempo de contribuição ao sistema etc. Em seguida, o trabalhador cotizante escolhe o empreendimento que cabe em seu bolso e assina o contrato. Cotizantes do Fovissste, trabalhadores públicos e cujos salários são maiores, podem adquirir casas desde que estejam 80% concluídas; aos trabalhadores cotizantes do Infonavit é permitida a compra ainda em planta.
Consideram-se habitações populares (ver quadro) aquelas casas construídas para trabalhadores com renda de até seis salários mínimos (cerca de US$ 900). Tanto o contribuinte do Infonavit como do Fovissste têm direito a apenas um crédito em toda vida, mas podem utilizar recursos próprios para compor sua entrada e fazer um up-grade de crédito e escolher uma casa maior ou mais cara. A operação deve ser feita pelo Confinavit, uma linha de crédito que soma as contribuições ao sistema e o crédito pessoal conseguido junto às Sociedades Financeiras de Objeto Limitado (hipotecarias) ou com bancos de mercado, que concorrem "pau a pau" pelo mutuário. Para se ter uma idéia, o México acumula cerca de US$ 90 bi em créditos concedidos em carteira, quase 15% do PIB do país.
Os juros para financiamento da habitação de interesse social vão de 4 a 9% ao ano, e os prazos de amortização são de até 30 anos. As habitações "residenciais", como são chamadas as habitações para classe média, podem ter financiamentos com juros de até 14% ¿ na média 11% ¿ como no Brasil. O modelo mexicano roda com eficiência um sistema de securitizações de várias vertentes, no qual até o governo faz aportes. Aliás, as principais sociedades hipotecárias surgiram de um aporte inicial de US$ 6 milhões feito pela SHF (Sociedad Hipotecaria Federal).
Quase todas as empresas de hipotecas do México foram constituídas há 15 anos. "Existimos por acaso", resume o engenheiro Gerardo Concha Collado, diretor geral adjunto que comanda a Hipotecaria Su Casita S. A., uma sociedade financeira de objeto limitado. As sociedades de financiamento de objetos limitados foram incentivadas somente depois do colapso de 1994. A empresa fornece por ano cerca de 750 mil créditos hipotecários, frente a uma demanda que é de pelo menos o dobro. Nascida em 1994 após a quebra do sistema financeiro, a Su Casita, assim como outras sociedades financeiras de objeto limitado, cresceu e agora quer virar banco, quer manejar depósitos. Quer também financiar máquinas e carros.
A empresa tem a terceira carteira hipotecária do México e concorre com gigantes como os bancos BBVA, GE, HSBC Banamex, Santander e Scotiabank. O faturamento anual está na casa dos US$ 15 milhões e a empresa conta, inclusive, com agências nos Estados Unidos, por onde os imigrantes fazem o pagamento das casas de seus familiares. O financiamento individual corresponde a 85% das emissões de créditos, enquanto as construtoras correspondem aos outros 15%. "Nossa carteira vencida não passa de 3%", frisa Collado. A execução das hipotecas leva de seis meses a um ano, no que considera um ambiente legal "razoavelmente" seguro.
A Su Casita fornece financiamento imobiliário para habitações populares em quatro modalidades, com prazos de 20 a 25 anos: pagamento em salários mínimos, pagamento em pesos com taxas de 7 a 12%, taxa fixa, used home financing (casas usadas), rent to own (aluguel por tempo determinado) e Su Casita Mexico, para imigrantes que vivem nos Estados Unidos. A empresa securitiza sua carteira e ainda capta recursos com a GMAC, Banco Holandês e no mercado de capitais. Metade das entradas vem da Bolsa Mexicana.
O crédito ao construtor chega por meio de bancos e sociedades financeiras. "O mercado está formatado para uma grande disposição de recursos ao comprador, e com isso está plenamente aquecido", conta Collado.
Transição
A SHF, órgão que fomenta a atividade das sofoles, empresas de securitização e bancos de mercado quer tornar-se uma Hipotecaria Total (HiTO, como consta no seu planejamento), ou seja, aproximar-se do modelo norte-americano (ver pág. 42). O Estado conseguiu intervir controladamente para construir um mercado de financiamento e construção e, no início, destinou recursos para criação das primeiras empresas de hipotecas com objeto limitado. Mas até 2013 a Sociedad Hipotecaria Federal do México estancará os seus ingressos no mercado bem como a compra dos títulos com as atuais garantias do sistema.
Segundo o professor do Núcleo de Real State da Poli-USP João da Rocha Lima, que escreve nesta edição sobre os desafios de se descortinar o mercado de baixa renda, "a sociedade mexicana se propôs a construir um mercado de hipotecas, mas poderá ter problemas com a garantia oferecida para o descolamento entre a variação do dólar que faz o funding e o pagamento das prestações nomeadas no índice de variação salarial social". Ele lembra o estrago causado pelo FCVS (Fundo de Compensação de Variações Salariais), que explodiu o Sistema Financeiro de Habitação no governo de José Sarney. A tendência, no entanto, é de a força do Sistema, como está previsto no planejamento estratégico, migrar pulverizadamente para consolidar-se noutras bases de risco.
Escala
O slogan do condomínio Lomas del Sur, de Guadalajara, lembra o que em breve os construtores "não" irão ver: Casas grandes, precios chiquitos, pelo menos a primeira parte. Num outro condomínio, nas redondezas da cidade do México, lê-se "La casa de tus sueños hecha realidad" e uma tereceira, "Sabemos lo que te interessa".
Todos no México vivem e pensam na moradia. A ligação cultural com a terra é muito forte em todo o país, o que explica também em parte que se privilegiem, por essa razão, os condomínios horizontais, e não somente por causa dos sismos freqüentes do México.
O sistema privilegia conjuntos com mais de 3 mil unidades, para diluir custos de urbanização e infra-estrutura, custos de comercialização, emolumentos e, principalmente, para aumentar o coeficiente de construtibilidade, que pode chegar a 70%. A produção de escala utiliza sistema construtivo de fôrmas metálicas (os maiores), com cinco até 20 jogos de fôrmas simultaneamente.
No México, condomínios como o Los Heroes, em Tecámac, com 60 mil unidades, são comuns. O conceito de "conjuntos totais", construídos junto a grandes centros comerciais, atraem o comprador que vê de sua porta lojas como Sears, Liverpool, Wall Mart e shopping centers.
Nas obras, podem-se encontrar menores trabalhando, poucos equipamentos disponíveis, inclusive manuais, e, com freqüência, nem os EPIs mínimos. O México constrói, mas a um alto custo social. Fecham-se os olhos à informalidade, que estima-se seja de 40%, e também ao bem-estar dos trabalhadores. "Vimos obras executadas com cuidados discutíveis em relação à qualidade das edificações e à segurança dos trabalhadores", enfatiza o presidente do SindusCon-SP em entrevista nesta reportagem. Robusti aplaude as medidas de desburocratização adotadas no México, o "fantástico" sistema de financiamento e de produção em escala, mas repele qualquer medida que comprometa as conquistas nos campo trabalhista, ambiental e normativo (leia entrevista).
O construtor e membro da Comissão de Relações com o Mercado do SindusCon-SP Maurício Biancchi vai na mesma linha. "Precisamos simplificar a concepção e aprovação dos projetos. As pessoas deixariam as `taperas¿ em que vivem hoje para habitações mais dignas", diz Biancchi.
No México, os trabalhadores são contratados por empreitada global. Em caso de demissão antes do término da obra, recebem 60% de multa rescisória mais três meses de indenização. Se o contrato for até o término, não há custo rescisório. A carga tributária sobre os materiais é de 10 a 15% (IVA). A mão-de-obra representa 30% dos custos de construção, quando tradicional, e de 7% quando as obras são industrializadas.
MATERIAIS - Preços médios
• Cimento: US$ 130/t
• Concreto: US$ 135/m2
• Blocos de concreto: US$ 110/mil (estrutural), US$ 105/mil (vedação)
• Vergalhão: US$ 980/t
• Revestimento cerâmico simples: US$ 30/m2
• Tubos de PVC para água e esgoto: US$ 11/barra de 6 m
• Cal virgem: US$ 114/t
Classificação imobiliária
Econômica ou de interesse social: até US$ 17 mil
Tradicional: de US$ 17 até US$ 51 mil
Média e Residencial Média: de US$ 51 mil a US$ 180 mil
Residencial: a partir US$ 180 mil
Fonte: Cámara Mexicana de la Industria de la Construcción)
Boa vizinhança
A pressa em construir moradias mantendo-se o modelo de grandes condomínios, de 15 mil a 60 mil unidades (200 mil pessoas), criou no México um grave problema social. A distância dos empreendimentos dos centros urbanos, agravada em muito pelo caos do trânsito e a multiplicidade dos grupos sociais que se juntam no mesmo local vindos de bairros e origens diferentes, tornam quase impossível a gestão dos condomínios.O governo mostra-se agora mais atento a essas questões, enquanto as empresas procuram privilegiar o conceito de "condomínio total", aproximando-se, em parceria, aos shopping centers, supermercados e centros de compra, estrategicamente planejados pensando na expansão urbana.
No entanto, as necessidades de consumo às vezes são supridas por moradores do condomínio, que utilizam tendas ou parte da residência para complementar renda. Por isso, torna-se necessário um intenso trabalho de assistência social. A cartilha do grupo ARAS, por exemplo, explica conceitos de democracia direta, organização de tarefas, aspectos jurídicos e fornece até mesmo um perfil resumido de personalidade de pessoas que possam participar das reuniões e como lidar com elas: o tímido, o engajado ideológico, o teimoso e assim por diante.
SERVIÇOS
Principais hipotecárias mexicanas
Su Casita - www.sucasita.com.mx
Hipotecaria Nacional (BBVA Bancomer) - www.hipotecarianacional.com.mx
Patrimônio Hipotecário - www.patrimoniohipotecario.com.mx
Sociedad Hipotecaria Federal - www.shf.gob.mx
Hipotecaria Vertice - www.hipotecariavertice.com.mx
Fonte: CMIC
Construtoras de habitações populares
Casas Geo - www.casasgeo.com
Consorcio Ara - www.casasara.com.mx
Desarrollo Metropolitano - www.demet.com.mx
Grupo Sadasi - www.sadasi.com.mx
Hogares Unión - www.hogaresunion.com
Homex - www.homex.com.br
Procsa - www.gprocsa.com.mx
Tu Casa Express - www.tucasaexpress.com
Colaboraram: Alejandro Olvera (secretário de relações comerciais da embaixada do Brasil no México); Fabio Villas Bôas (Tecnisa), João da Rocha Lima (Real State-Poli-USP). Agradecimentos: Maria Helena Bonetti e Antonio Carlos Mourão Bonetti (Câmara de Indústria, Comércio e Turismo Brasil-México), Roberto Diaz (adido comercial)
Por Paulo Kiss
CONSTRUÇÃO MERCADO 70 - MAIO 2007
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