Moradia em São Paulo.. Repovoar os Centros das Metrópolis
TENDÊNCIAS/DEBATES
Repovoar o centro das metrópoles
NABIL BONDUKI
Estimular o uso habitacional das áreas centrais é uma das principais ações que devemos implementar para recuperar a qualidade de vida nos nossos municípios. É urgente instituir instrumentos urbanísticos que rompam a segregação urbana, baseada na criação de zonas social e funcionalmente separadas e na expulsão da moradia para os cantos do mapa, que tem caracterizado as grandes cidades brasileiras.
Em reportagem publicada na última quarta-feira (em Cotidiano), a Folha mostrou o papel que os movimentos de moradia vêm desempenhando, com apoio do poder público, no processo de requalificação da área central de São Paulo e da importância em promover habitação no centro como forma de valorizá-lo, já que "a falta de moradores provoca degradação nos condomínios que, parcialmente ocupados, não têm capital para cuidar da manutenção".
Foi com essa visão que propus e presidi na Câmara Municipal de São Paulo a Comissão de Estudos sobre Habitação na Área Central, que elaborou uma série de propostas para a região. Várias delas foram incorporadas ao novo Plano Diretor, que poderá se tornar referência para iniciativas semelhantes em outras partes do Brasil.
Em São Paulo a situação revela-se dramática. Enquanto, nos últimos 20 anos, os bairros centrais se despovoaram, a mancha urbana se estendeu à zona rural, à serra e às áreas de proteção dos mananciais, com graves prejuízos ambientais. Sem planejamento e controle urbano, criaram-se bairros-dormitórios, onde inexistem empregos e serviços. O acesso ao trabalho distante requer longas horas em coletivos precários, causa desgaste físico, congestionamentos e poluição. O crescimento das áreas periféricas foi assustador: a população do distrito de Anhanguera aumentou 619%, a de Cidade Tiradentes, 2.114%, e a de Parelheiros, inteiramente situado nos mananciais, 223%.
Esse quadro revela que os moradores estão migrando da área urbanizada para a porção desprovida de equipamentos. Os próprios órgãos estatais de habitação colaboram para isso: apenas 2,5% das unidades habitacionais entregues localizam-se nos bairros centrais.
Produzir habitação é produzir cidade. Embora a terra, item fundamental para qualquer política pública no setor, custe mais barato na extrema periferia, os gastos com a implantação de infra-estrutura e com a manutenção da população nesses locais invertem o sinal da operação matemática. Violência, escassez de oportunidades de trabalho e falta de identidade local são algumas das consequências visíveis do modelo.
O centro, em contraste, é servido por 250 linhas de ônibus, sete estações de metrô e trem metropolitano; oferece dois empregos por morador -índice cinco vezes superior à média da região metropolitana. Isso apesar da criação de outros pólos terciários, processo que retirou dinamismo econômico da área central e resultou em centenas de prédios subutilizados, além de considerável quantidade de terrenos não edificados, grande parte ocupada por estacionamentos. Propriedades que não cumprem com a função social e vão, portanto, contra o Estatuto da Cidade.
Enquanto isso, submetidos às atuais regras, milhares de brasileiros não podem se instalar com dignidade na área, provocando o crescimento de cortiços e a ocupação de prédios ociosos, prática iniciada pelos movimentos de moradia em 1997, como último recurso diante da omissão das autoridades. Hoje, mais de 1.300 famílias vivem em 17 prédios que estavam desocupados havia cerca de dez anos.
A comissão de estudos concluiu que se deve reduzir o custo da habitação no centro, combatendo a especulação imobiliária e agilizando a aprovação dos projetos, para viabilizar a instalação da população de baixa renda. A administração Marta Suplicy tem adotado medidas nesse sentido, como o sistema Plantas On Line, que facilitará a aprovação de projetos na Sehab, e o Programa Morar Perto, em parceria com movimentos sociais, entidades de assessoria técnica e a Caixa Econômica Federal.
Mais ousada é a estratégia prevista pelo Plano Diretor. Ele propõe a criação de Zonas Especiais de Habitação de Interesse Social nos bairros centrais e sujeita as áreas ociosas e subutilizadas às penalidades estabelecidas no Estatuto da Cidade. Desse modo, deve reduzir o custo dos imóveis na região e estimular a atividade construtora. Para fechar a equação, é preciso criar um sistema de subsídio com os recursos da arrecadação adicional do ICMS, que hoje são destinados à CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano).
Repovoar os bairros centrais é indispensável para melhorar a região e, além disso, é estratégico para o município como um todo. Com a criação de regiões mais equilibradas, o que requer também intensos investimentos na periferia, a necessidade de deslocamento urbano deve diminuir, permitindo que essa megalópole de 17 milhões de habitantes funcione de uma maneira mais integrada. E sirva, ainda, de exemplo para outras metrópoles do país.
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Nabil Georges Bonduki, 47, arquiteto e urbanista, é professor de arquitetura da USP e vereador de São Paulo (PT). Foi presidente do Sindicato dos Arquitetos de São Paulo e superintendente de Habitação Popular da Sehab.
Repovoar o centro das metrópoles
NABIL BONDUKI
Estimular o uso habitacional das áreas centrais é uma das principais ações que devemos implementar para recuperar a qualidade de vida nos nossos municípios. É urgente instituir instrumentos urbanísticos que rompam a segregação urbana, baseada na criação de zonas social e funcionalmente separadas e na expulsão da moradia para os cantos do mapa, que tem caracterizado as grandes cidades brasileiras.
Em reportagem publicada na última quarta-feira (em Cotidiano), a Folha mostrou o papel que os movimentos de moradia vêm desempenhando, com apoio do poder público, no processo de requalificação da área central de São Paulo e da importância em promover habitação no centro como forma de valorizá-lo, já que "a falta de moradores provoca degradação nos condomínios que, parcialmente ocupados, não têm capital para cuidar da manutenção".
Foi com essa visão que propus e presidi na Câmara Municipal de São Paulo a Comissão de Estudos sobre Habitação na Área Central, que elaborou uma série de propostas para a região. Várias delas foram incorporadas ao novo Plano Diretor, que poderá se tornar referência para iniciativas semelhantes em outras partes do Brasil.
Em São Paulo a situação revela-se dramática. Enquanto, nos últimos 20 anos, os bairros centrais se despovoaram, a mancha urbana se estendeu à zona rural, à serra e às áreas de proteção dos mananciais, com graves prejuízos ambientais. Sem planejamento e controle urbano, criaram-se bairros-dormitórios, onde inexistem empregos e serviços. O acesso ao trabalho distante requer longas horas em coletivos precários, causa desgaste físico, congestionamentos e poluição. O crescimento das áreas periféricas foi assustador: a população do distrito de Anhanguera aumentou 619%, a de Cidade Tiradentes, 2.114%, e a de Parelheiros, inteiramente situado nos mananciais, 223%.
Esse quadro revela que os moradores estão migrando da área urbanizada para a porção desprovida de equipamentos. Os próprios órgãos estatais de habitação colaboram para isso: apenas 2,5% das unidades habitacionais entregues localizam-se nos bairros centrais.
Produzir habitação é produzir cidade. Embora a terra, item fundamental para qualquer política pública no setor, custe mais barato na extrema periferia, os gastos com a implantação de infra-estrutura e com a manutenção da população nesses locais invertem o sinal da operação matemática. Violência, escassez de oportunidades de trabalho e falta de identidade local são algumas das consequências visíveis do modelo.
O centro, em contraste, é servido por 250 linhas de ônibus, sete estações de metrô e trem metropolitano; oferece dois empregos por morador -índice cinco vezes superior à média da região metropolitana. Isso apesar da criação de outros pólos terciários, processo que retirou dinamismo econômico da área central e resultou em centenas de prédios subutilizados, além de considerável quantidade de terrenos não edificados, grande parte ocupada por estacionamentos. Propriedades que não cumprem com a função social e vão, portanto, contra o Estatuto da Cidade.
Enquanto isso, submetidos às atuais regras, milhares de brasileiros não podem se instalar com dignidade na área, provocando o crescimento de cortiços e a ocupação de prédios ociosos, prática iniciada pelos movimentos de moradia em 1997, como último recurso diante da omissão das autoridades. Hoje, mais de 1.300 famílias vivem em 17 prédios que estavam desocupados havia cerca de dez anos.
A comissão de estudos concluiu que se deve reduzir o custo da habitação no centro, combatendo a especulação imobiliária e agilizando a aprovação dos projetos, para viabilizar a instalação da população de baixa renda. A administração Marta Suplicy tem adotado medidas nesse sentido, como o sistema Plantas On Line, que facilitará a aprovação de projetos na Sehab, e o Programa Morar Perto, em parceria com movimentos sociais, entidades de assessoria técnica e a Caixa Econômica Federal.
Mais ousada é a estratégia prevista pelo Plano Diretor. Ele propõe a criação de Zonas Especiais de Habitação de Interesse Social nos bairros centrais e sujeita as áreas ociosas e subutilizadas às penalidades estabelecidas no Estatuto da Cidade. Desse modo, deve reduzir o custo dos imóveis na região e estimular a atividade construtora. Para fechar a equação, é preciso criar um sistema de subsídio com os recursos da arrecadação adicional do ICMS, que hoje são destinados à CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano).
Repovoar os bairros centrais é indispensável para melhorar a região e, além disso, é estratégico para o município como um todo. Com a criação de regiões mais equilibradas, o que requer também intensos investimentos na periferia, a necessidade de deslocamento urbano deve diminuir, permitindo que essa megalópole de 17 milhões de habitantes funcione de uma maneira mais integrada. E sirva, ainda, de exemplo para outras metrópoles do país.
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Nabil Georges Bonduki, 47, arquiteto e urbanista, é professor de arquitetura da USP e vereador de São Paulo (PT). Foi presidente do Sindicato dos Arquitetos de São Paulo e superintendente de Habitação Popular da Sehab.
Fonte: Artigo Antonio Biondi – Agência Carta Maior (Matéria da Editoria: Direitos Humanos), em 01/02/2007
Assembléia Legislativa promulga emenda à Constituição do Estado que permitirá encaminhar a regularização de milhões de moradias no Estado; secretário estadual de habitação se compromete a priorizar o tema em seus trabalhos.
SÃO PAULO – Tardou, mas aconteceu. A Assembléia Legislativa de São Paulo (Alesp) promulgou nesta quarta-feira (31/01) a emenda constitucional 33/07, primeiro passo para encaminhar a regularização de milhões de moradias no Estado.
A emenda altera o artigo 180 da Constituição paulista, que passa a permitir a regularização de áreas de uso público ocupadas por moradias de interesse social – como favelas e loteamentos populares – e possibilita aos proprietários obter suas escrituras definitivas. São Paulo era uma das poucas unidades da federação que ainda não permitia tal iniciativa por parte do poder público. A medida favorece diretamente a população de baixa renda e moradores de áreas irregulares estabelecidos até 2004.
Raimundo Bonfim abriu a cerimônia de promulgação da emenda, representando a Central de Movimentos Populares (CMP). Para Bonfim, a mudança representa uma adaptação da realidade social aos instrumentos jurídicos existentes no Brasil, especialmente o Estatuto da Cidade. “Era uma questão da Constituição que estava ultrapassada”. Ele registrou que os movimentos sociais realizaram cerca de cinco grandes mobilizações na Alesp em relação ao tema, até a aprovação da proposta. “Parabéns pela conquista e pela luta”, destacou Bonfim, para quem agora o principal desafio será manter uma relação com o Executivo estadual, e principalmente com as prefeituras, “para ter as primeiras regularizações em breve”.
Com a emenda à constituição, caberá ao poder Executivo de cada município aprovar legislação específica para desenvolver ações na direção prevista agora pela Constituição Estadual.
O secretário estadual de Habitação, Lair Krähenbühl, também participou da mesa do evento, e registrou que “o governador José Serra deu-me uma incumbência: ‘ponha as energias e os recursos da secretaria a serviço das regularizações’”. Sendo bastante aplaudido pela fala, o secretário disse em seguida estar comprometido em dedicar 60% do orçamento de 2007 da pasta para iniciativas de regularização fundiária e urbanização de áreas com infra-estrutura precária. Krähenbühl defendeu ser “mais importante regularizar as moradias já existentes do que construir novas unidades”, mas afirmou também que “não vamos parar de construir!”.
Na proposta de Orçamento enviada pelo Executivo à Assembléia (a Casa ainda não aprovou a Lei Orçamentária de 2007) a secretaria conta com R$ 956 milhões, sendo que, desse total, R$ 750 milhões são destinados a investimentos.
Os índices da Secretaria apontam em 1,2 milhão de moradias o déficit de unidades a serem regularizadas na capital. No total do Estado, são 2,2 milhões de moradias a serem regularizadas. Se, por um lado, a Grande São Paulo concentra cerca de 65% do problema, o secretário frisou em entrevista à Carta Maior a importância de se encarar a questão como uma dificuldade de todo o Estado e não somente da Região Metropolitana da capital.
Além de Bonfim e Krähenbühl, compuseram a mesa da cerimônia o presidente da Alesp, Rodrigo Garcia (PFL), o diretor da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo), Sylvio Barros Sawaya, o 1º e 2º secretários da Assembléia, Fausto Figueira (PT) e Geraldo Vinholi (PDT), os deputados Mário Reali (PT) e Mauro Bragato (PSDB), assim como a representante da União dos Movimentos de Moradia (UMM), Evaniza Rodrigues, e o vice-presidente do Secovi-SP (Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo) Cláudio Bernardes.
Rodrigo Garcia destacou a representatividade da mesa e saudou as centenas de pessoas que lotavam o auditório Franco Montoro, avaliando que a “presença de todos aqui traz a certeza de que acertamos e que podemos avançar muito nessa questão, reivindicada há anos”.
Entre o público, majoritariamente composto por moradores de diversas áreas a serem beneficiadas pela medida, também se fizeram presentes, entre outros, representantes de parlamantares federais, das prefeituras de Diadema e Santo André, e de várias entidades envolvidas com o desenrolar futuro dos processos de regularização, como movimentos de moradia, cartórios, Caixa Econômica Federal, etc. Os deputados estaduais Enio Tatto, Simão Pedro, Vanderlei Siraque e Maria Lúcia Prandi (PT), Edmir Chedid (PFL), Ricardo Castilho (PMDB), Maria Lúcia Amary (PSDB) e David Zaia (PPS, da nova legislatura) também participaram.
Projeto coletivo
Mário Reali, um dos parlamentares que mais se dedicou à aprovação da emenda, fez questão de registrar a conquista como um “projeto coletivo, de entendimento que a Constituição havia sido superada nesse ponto, e que o Estatuto da Cidade pautava de uma nova forma a questão da regularização, sobretudo nas regiões metropolitanas, onde a questão das favelas é mais presente”. A proposta de emenda aprovada nesta quarta, apresentada originalmente por deputados do PT, PSDB, PTB, PCdoB, PFL e PPS, contou com um total de 38 assinaturas de parlamentares. Reali explicou em sua fala que trata-se de “um primeiro passo para uma série de conquistas”, despedindo-se com “um grande abraço a todos os movimentos de moradia que estão aqui hoje! Valeu a luta!”.
“Vivemos hoje um dia de celebração”, reforçou Evaniza, da UMM. “Não só aqui, mas em cada favela, em cada área não regularizada, em que durante anos as pessoas viram negado seu direito à moradia, a ter um endereço, a exercer sua cidadania”. Ela não deixou de registrar que a população e os governos terão “uma tarefa enorme daqui para frente, para se regularizar e urbanizar essas áreas”, mas comemorou o fato de que, também recentemente, a Assembléia paulista aprovou a criação do Sistema Estadual de Habitação e dos respectivos Fundo e Conselho. A criação do sistema foi uma proposta trazida na forma de projeto de lei de iniciativa popular à Alesp ainda em 1995 – trabalhada em um novo projeto pela Casa – e “que vai ajudar muito nesse processo”, finalizou.
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