Tuesday, November 23, 2010

Galpões inutilizados em Manguinhos .Reabilitação


Galpões inutilizados, da época em que o Rio de Janeiro era capital federal, cedem espaço a um novo ponto de encontro dos moradores de Manguinhos: uma biblioteca
Novas páginas se abrem para a população de Manguinhos, zona Norte do Rio de Janeiro, com a recente inauguração da Biblioteca Parque de Manguinhos. "Para mim, biblioteca tem a ver com conhecimento, expansão mental e de espírito. É gratificante ver uma biblioteca no meio da favela", afirma o arquiteto Jorge Mario Jáuregui, do escritório MPU, responsável pelo projeto de reurbanização de Manguinhos, implantado por iniciativa do PAC1. Uma das primeiras providências para viabilizar o projeto foi realizar uma vistoria no local, sempre com o acompanhamento da comunidade e diretores de associações de favelas. "Verificamos que havia um conjunto de edifícios usado para depósito de suprimentos do Exército (Desup), quando o Rio era capital federal, que estava abandonado e poderia ser reaproveitado", declara o arquiteto. Havia vários galpões - um deles era o edifício do Comando Central do Exército e foi transformado em escola profissionalizante. O segundo galpão reciclado foi o da biblioteca-parque. "Esse tipo de programa não existia, foi instaurado pelo PAC urbano tomando como referência as escolas de Medelín, na Colômbia". O galpão, com 2 mil m², teve apenas as paredes externas e o telhado preservados, sendo removidas as poucas divisórias internas, de modo a assegurar-lhe uma continuidade. "Encaixamos o novo sem tocar no antigo; o propósito foi claro: o velho recuperado permanece por fora, mas mostrando o efeito do tempo, enquanto o novo se insere protegido pelo velho. Ou seja, as paredes estão separadas", explica Jáuregui. Esse conceito fica evidente nas paredes vazadas, fechadas com vidro (pois a biblioteca necessita de ar condicionado), o que favorece a entrada de luz natural. O interior é constituído por dois níveis interligados por uma rampa. O piso térreo tem diferentes usos, como sala de leitura, salas técnicas de computação, espaço de consulta, salas de pequenos grupos e de reunião comunitária. No mezanino, estão a sala de leitura privativa, as dependências administrativas e outras salas de reunião. Ambos pavimentos têm 2,80 m de pé-direito, altura permitida pelo telhado original da construção, que foi conservado pelo projeto atual. Ainda será instalado um forro de vidro que proporcionará a visão das telhas tradicionais de barro francesas.Com 3.000 m² construídos (1.800 m² no térreo e 1.200 m² no mezanino), a biblioteca tem um acervo de 25 mil livros, além de outros dois mil reproduzidos para consulta simultânea. Desde que abriu, no início de 2010, já são 2.650 sócios e 2.600 livros emprestados, o que demonstra o grande interesse da comunidade pela leitura."No início, as pessoas não sabiam como se comportar num ambiente de biblioteca; via-se correria e gritos pelos corredores e salas de leitura. Hoje, já estão conscientizados da necessidade do silêncio", relata o arquiteto. O aspecto lúdico fica por conta dos livros instalados no forro com frases alusivas ao tema. A participação da comunidade foi fundamental no projeto de reurbanização de Manguinhos. Foram contratadas 1.800 pessoas para trabalhar na construção de vários projetos já concluídos e outros ainda por serem terminados. Elemento de destaque no conjunto, está prevista a construção de uma rua chamada de Rambla, remetendo à famosa via de Barcelona. Em Manguinhos, como na cidade espanhola, a rua será fechada para o passeio de pedestres. "É espaço de circulação e de permanência, com 1,5 km de extensão, rodeado em todo o percurso por atividades esportivas, comerciais e de recreação, áreas verdes, mobiliário urbano, além de áreas para intercâmbio de diferentes sistemas de transporte", explica o arquiteto. Segundo Jáuregui, "esse passeio será a ligação entre os dois lados das comunidades, divididas pelo muro do trem, por isso chamado de Faixa de Gaza". Também fazem parte da intervenção urbana em Manguinhos o parque aquático, 1.700 unidades habitacionais, escola profissionalizante e uma UPA - Unidade de Pronto Atendimento. Ao lado da biblioteca, aproveitando um antigo silo, haverá um espaço cultural multiuso. "Será uma espécie de Pompidou na favela", entusiasma-se Jáuregui.

NEW HISTORYNew pages were opened for the Manguinhos, Rio de Janeiro, North zone population, with the recent inauguration of the Biblioteca Parque de Manguinhos (Parque de Manguinhos Library). "A library has a lot to do with knowledge, mental and spiritual expansion. It is gratifying to see a library right in the middle of a slum area", states the architect Jorge Mário Jáuregui, from the MPU studio, responsible for the Manguinhos re-urbanization project. "We verified that there was a complex of buildings used as an Army supplies warehouse (DESUP), since the time when Rio was the federal capital, that was abandoned and could be reused", declares the architect. One of the warehouses became the park library. "This type of program was created based on the Medellín, Colombia, schools". Only the external walls and the roof of the warehouse were preserved, with all the few internal partitions removed, in such a way as to assure continuity. The interior consists of two levels connected by a ramp. Both floors have a height of 2.80 m, allowed by the original roof, which was maintained. With 3,000 m² constructed (1,800 m² on the ground floor and 1,200 m² in the mezzanine), the library has 25 thousand books, besides another two thousand copied for simultaneous consulting. The participation of the community was fundamental in the re-urbanization of Manguinhos. 1,800 persons were hired to work in the construction of a few projects already completed and others still to be finished.
Fonte: Revista AU - Novas Histórias

Thursday, November 11, 2010

Transformação de Canal a Céu Aberto na favela de Paraisópolis em espaço público de convivência


PROJETO URBANO CÓRREGO DO ANTONICO, EM SÃO PAULO

Link:
PROJETO URBANO CÓRREGO DO ANTONICO, EM SÃO PAULO Arquitetos do escritório MMBB e a Prefeitura de São Paulo transformam canal a céu aberto na favela de Paraisópolis em espaço público de convivência

Divisor de águas
De problema a fonte de qualidade de vida: como um canal a céu aberto deve adquirir um novo significado e transformar o espaço público

Por Simone Sayegh


Tudo depende das condições meteorológicas. Tempo seco: córregos que passam abaixo das casas nas favelas carregam lixo e esgoto. Chuvas e temporais: os fios de água malcheirosos enchem, e engolem os poucos espaços que sobram, carregam móveis e alguma esperança. Essa condição urbana e esse tipo de relacionamento com a água são típicos dos grandes adensamentos com pouca infraestrutura de saneamento, em favelas por todo o Brasil. Em São Paulo, o Projeto Urbano Córrego do Antonico, localizado em Paraisópolis, segunda maior favela da cidade (são 60 mil habitantes), busca transformar essa relação: fazer com que a água deixe de ser uma vilã, de trazer doenças, de cheirar mal ou de destruir casas.

O córrego do Antonico corta uma trama urbana de cerca de 1 km2, e seu projeto de canalização envolveu questões muito mais complexas do que a implantação de soluções técnicas de saneamento. O planejamento envolveu a qualidade de habitação, a vivência e a convivência de todos os moradores - e a água foi tratada como agente transformador dos espaços e da vida urbana da favela, dessa vez, para o bem. Coube ao escritório de arquitetura MMBB resolver essas questões e trazer à caótica ordem estabelecida nesses grandes adensamentos a qualidade urbana possível. O projeto busca alternativas de reconciliação com as águas, que pode ser desfrutada no cotidiano da população. Sua principal premissa baseia-se na transformação do sistema de drenagem em um sistema de promoção de urbanidade nos locais por onde passa. "Esse projeto quer mostrar como o sistema hídrico supercapilar poderia ser menos um elemento de desestruturação e mais um elemento de construção de urbanidade", explica Fernando de Mello Franco, sócio do MMBB ao lado dos arquitetos Marta Moreira e Milton Braga. "A estratégia é articular duas esferas de investigação projetual: a primeira opera sobre a redefinição do paradigma da infraestrutura urbana, e a segunda na construção de formas de imaginário popular atuantes sobre o uso do espaço", conclui.

NOVO SISTEMA HÍDRICO No Estado de São Paulo, as diretrizes vigentes para a elaboração de novos sistemas de drenagem impedem o tamponamento dos rios e córregos. Assim, para que esse sistema funcione em áreas muito adensadas, onde o custo social de remoção é alto, os engenheiros normalmente rebaixam a lâmina d'água, que fica afastada do chão da cidade e permanece subutilizada na maior parte do tempo. Para solucionar as diferentes vazões (a quantidade de água que passa por segundo em uma tubulação dependendo da época de cheia ou seca) e ainda se enquadrar na lei estadual, a estratégia do projeto do Antonico é distinguir os fluxos. Um será a céu aberto e irá manter na superfície do canal apenas o fluxo de base e as vazões dos regimes de inverno e verão compatíveis. O fluxo das grandes chuvas será direcionado para uma galeria extravasora subterrânea, de maneira a não haver conflitos com o frágil tecido urbano da favela. "Não tem sentido colocar a água violenta das enxurradas em contato com a população, por isso a proposta do desmembramento em dois sistemas", explica.

Para complementar, as águas que fluírem pelo canal aberto recebem sistemas adicionais de limpeza biológica, para mitigar os efeitos da poluição - o que, para os arquitetos, permitirá o contato da população com o novo córrego. "O córrego, uma vez reprogramado, irá se configurar em uma das principais estruturas locais, potencializado por dinâmicas de uso que promovem a construção do domínio público", completa. Para arrematar a ideia do córrego como agente de urbanidade, os espaços livres em torno de seu caminho serão tratados a partir do que se chamou de cultura da praia urbana. "Na praia há um nível de coexistência que preserva o espaço público", acredita Fernando.

Paralelas ao canal serão geradas faixas livres de largura mínima de 10 m - o que inclui a remoção de 700 unidades habitacionais. O ponto negativo é que, no processo de remoção dessas construções, seriam reveladas paredes de fundo das casas remanescentes. "Não há espaço que sobreviva sendo fundo de qualquer coisa", acredita Fernando. A solução proposta, então, é oferecer uma faixa média de 1,70 m aos moradores dessas edificações lindeiras, para organizarem novos usos - que podem ser desde um novo quarto, uma varanda ou até um pequeno comércio, desde que voltados para o córrego. Essas "novas frentes" irão gerar economias locais ao longo do trajeto do Antonico e se constituem em estratégias de preservação do espaço público. Para complementar, a passagem de veículos será impedida e uma ciclovia será implantada. Essa faixa será o principal eixo de mobilidade interno ao bairro, pois percorre as declividades mais suaves de Paraisópolis, e se estenderá até o encontro com uma linha de metrô.

"Quando a população reconhece um valor de domínio público, ela preserva", acreditam os arquitetos. A ideia de praia urbana que conceitua todo o projeto nasceu da observação de uma das mais potentes estruturas espaciais das cidades brasileiras: o calçadão, espaço de mediação entre as áreas destinadas ao ócio e as destinadas à vida habitual da cidade. "O projeto do canal, não mais visto como produção de um artefato técnico, criará uma centralidade linear composta por uma sucessão de espaços privados e públicos, abertos a inúmeras possibilidades de ressignificação por parte da população", conta Fernando. O projeto de paisagismo das faixas será baseado no sistema de reflorestamento e não de ornamentação. As técnicas de reflorestamento selecionam espécies agrupadas por tipos de crescimento e de vida útil. Existem árvores que crescem rápido e têm ciclo de vida curto, e outras de crescimento mais lento, de maior vida útil. São plantadas muitas delas, de maneira massiva, e enquanto as mais rápidas crescem, proporcionam sombra e proteção para as mais lentas, que viverão mais: como a simbiose na floresta.

De acordo com os arquitetos, a arborização massiva tem três razões distintas: criação de sombras, criação de ambiências e consumo do excesso de hidrogênio produzido pelos lixões, por meio das raízes e folhas. Para permitir esse plantio, a fiação será enterrada - e o que, por um lado, pode exigir um investimento maior da concessionária, por outro evita "gatos" e diminui o prejuízo. "Tudo converge para se fazer direito, onde todo mundo sai ganhando", acredita. O projeto do córrego se insere no Programa de Urbanização de Favelas promovido pela Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo. O programa completo abrange obras de infraestrutura urbana, equipamentos sociais e novas habitações.
WATERSHED
It all depends on the meteorological conditions. Dry weather: streams flowing under the slum houses carry garbage and sewage. Rains and storms: the stinking waterways flood, and carry furniture along with some hope. This urban condition is typical of the slums all over Brazil. In São Paulo, the Projeto Urbano Córrego do Antonico (Antonico's Stream Urban Project), in Paraisópolis (the City's second largest slum, with 60 thousand inhabitants), seeks to transform this relationship with water - and the project for the stream flowing through an urban web of approximately 1 km2 was awarded to the MMBB architecture firm.
To solve the varying flows (the water volume is wet or dry depending of the season), the strategy was to separate the flows. One will be in open air and will keep only the basic flow in the surface and the winter and summer regimes compatible. The big rainfalls will be directed to a subterranean draining gallery, to avoid conflicts with the slum's fragile urban fabric. In addition, the water flowing through the open canal will receive a biological cleaning system to mitigate the effects of pollution - which should allow the people to get in contact with the new stream. To enhance the idea of the stream as an agent of urbanity, the spaces around its path will be treated based on the so-called urban beach culture. Parallel to the canal, 10 m-wide free lanes will be built.

Fonte:Revista AU /Edição 200/ Novembro /10