Sunday, January 29, 2012

CIDADES BRASILEIRAS



CIDADES BRASILEIRAS

Terror imobiliário ou a expulsão dos pobres do centro de São Paulo
O modelo é contra os pobres que estão longe de constituírem minoria em nossa sociedade. O modelo quer os pobres fora do centro de São Paulo. Isso é óbvio. O que não parece ser óbvio é que, em última instância, a determinação disso tudo é econômica. A centralidade é a produção do espaço urbano e a mola propulsora, a renda imobiliária. E depois dizem que Marx está morto.
Ermínia Maricato

Dificilmente, durante nossa curta existência, assistiremos disputa mais explícita que esta, que opõe prefeitura e Câmara Municipal de São Paulo (além do governo estadual), que representam os interesses do mercado imobiliário, contra os moradores e usuários pobres, pelo acesso ao centro antigo de São Paulo. Trata-se do único lugar na cidade onde os interesses de todas as partes (mercado imobiliário, prefeitura, Câmara Municipal, comerciantes locais, movimentos de luta por moradia, moradores de cortiços, moradores de favelas, recicladores, ambulantes, moradores de rua, dependentes químicos, e outros) estão muito claros, e os pobres não estão aceitando passivamente a expulsão.

No restante da cidade, como em todas as metrópoles brasileiras, um furacão imobiliário revoluciona bairros residenciais e até mesmo as periferias distantes, empurrando os pobres para além dos antigos limites, insuflado pelos recursos do Minha Casa Minha Vida no contexto de total falta de regulação fundiária/imobiliária ou, em outras palavras, de planejamento urbano por parte dos municípios. A especulação corre solta, auxiliada por políticas públicas que identificam valorização imobiliária como progresso.

Ao contrário do silêncio (ou protestos pontuais) que acompanha essa escandalosa especulação que, a partir de 2010, levou à multiplicação dos preços dos imóveis, em todo o país, no centro de São Paulo, foi deflagrada uma guerra de classes.

Não faltaram planos para recuperar o centro tradicional de São Paulo. Desde a gestão do prefeito Faria Lima, vários governos defenderam a promoção de moradia pública na região. Governos tucanos apostaram em estratégias de distinção local por meio de investimento na cultura (como demonstraram muitos trabalhos acadêmicos) Vários museus, salas de espetáculo, centros culturais, edifícios históricos, foram criados ou renovados. No entanto, o mercado imobiliário nunca respondeu ao convite dos diversos governos, de investir na região, seja para um mercado diferenciado, seja para habitação social como pretenderam os governos Erundina e Marta.

Outras localizações (engendradas pelas parcerias estado/capital privado, como demonstrou Mariana Fix) foram mais bem sucedidas como foi o caso da região Berrini/Águas Espraiadas. Outro fator que inibiu a entrada mais decisiva dos empreendedores no centro foi a reduzida dimensão dos terrenos. O mercado imobiliário busca terrenos amplos que permitam a construção de uma ou de várias torres- clube, padrão praticamente generalizado atualmente no Brasil.

Finalmente, há os pobres - com toda a diversidade já exposta - cuja proximidade desvaloriza imóveis novos ou reformados, coerentemente com os valores de uma sociedade que além de patrimonialista (e por isso mesmo) está entre as mais desiguais do mundo. Aceita-se que os pobres ocupem até áreas de proteção ambiental: as Áreas de Proteção dos Mananciais (são quase 2 milhões de habitantes apenas no sul da metrópole), as encostas do Parque Estadual da Serra do Mar, as favelas em áreas de risco, mas não se aceita que ocupem áreas valorizadas pelo mercado, como revela a atual disputa pelo centro.

Enquanto os planos das várias gestões municipais para o centro não deslancharam (leia-se: não interessaram ao mercado imobiliário), os serviços públicos declinaram (o acúmulo de lixo se tornou regra), num contexto já existente de imóveis vazios e moradia precária. O baixo preço do metro quadrado afastou investidores e, mais recentemente, nos últimos anos... também o poder público. Nessa área assim “liberada” e esquecida pelos poderes públicos, os dependentes químicos também se concentraram. No entanto a vitalidade do comércio na região, que inclui um dos maiores centros de venda de computadores e artigos eletrônicos da América Latina, não permite classificar essa área como abandonada, senão pelo falta de serviços públicos de manutenção urbana e políticas sociais.

Frente a isso, a gestão do prefeito Kassab deu continuidade ao projeto NOVA LUZ, iniciado por seu antecessor, José Serra, e vem se empenhando em retirar os obstáculos que afastam o mercado imobiliário de investir na área. Estão previstos a desapropriação de imóveis em dezenas de quadras e o remembramento dos lotes para constituírem grandes terrenos de modo a viabilizar a entrada do mercado imobiliário.

A retomada de recursos de financiamento habitacional com o MCMV, após praticamente duas décadas de baixa produção, muda completamente esse quadro. Os novos lançamentos do mercado imobiliário passam a cercar a região. Vários bairros vizinhos, como a Barra Funda, apresentam um grande número de galpões vazios em terrenos de dimensões atraentes. A ampliação de outro bairro vizinho, Água Branca, vai se constituir em um bairro novo .

Finalmente, o mercado imobiliário e a prefeitura lançam informalmente a ideia de uma fantástica operação urbana que irá ladear a ferrovia começando no bairro da Lapa e estendendo-se até o Brás. O projeto inclui a construção de vias rebaixadas. Todos ficam felizes: empreiteiras de construção pesada, mercado imobiliário, integrantes do executivo e legislativo (que garantem financiamento para suas campanhas eleitorais) e a classe média que ascendeu ao mercado residencial com os subsídios.

O Projeto Nova Luz parece ser a ponta de lança dessa gigantesca operação urbana.

Mas ainda resta um obstáculo a ser removido: os pobres que se apresentam sobre a forma de moradores dos cortiços, moradores de favelas, dependentes de droga, moradores de rua, vendedores ambulantes... Com eles ali, a taxa de lucro que pode ser obtida na venda de imóveis não compensa.

Algumas ações não deixam dúvida sobre as intenções de quem as promove. Um incêndio, cujas causas são ignoradas, atingiu a Favela do Moinho, situada na região central ao lado da ferrovia. Alguns dias depois, numa ação de emergência, a prefeitura contrata a implosão de um edifício no local sob alegação do risco que ele podia oferecer aos trens que passam ali (enquanto os moradores continuavam sem atendimento, ocupando as calçadas da área incendiada). Em seguida os dependentes químicos são literalmente atacados pela polícia sem qualquer diálogo e sem a oferta de qualquer alternativa. (Esperavam que eles fossem evaporar?). Alguns dias depois vários edifícios onde funcionavam bares, pensões, moradias, são fechados pela prefeitura sob alegação de uso irregular. (O restante da cidade vai receber o mesmo tratamento? Quantos usos ilegais há nessa cidade?).

O centro de São Paulo constitui uma região privilegiada em relação ao resto da cidade. Trata-se do ponto de maior mobilidade da metrópole, com seu entroncamento rodo-metro- ferroviário. A partir dali, pode-se acessar qualquer ponto da cidade o que constitui uma característica ímpar se levarmos em conta a trágica situação dos transportes coletivos. Trata-se ainda do local de maior oferta de emprego na região metropolitana. Nele estão importantes museus e salas de espetáculo, bem como universidades, escolas públicas, equipamentos de saúde, sedes do judiciário, órgãos governamentais.

Apenas para dar uma ideia da expectativa em relação ao futuro da região está prevista ali uma Escola de Dança, na vizinhança da Sala São Paulo, cujo projeto, elaborado por renomados arquitetos suíços – autores do arena esportiva chinesa “Ninho de Pássaro” - custou a módica quantia de R$ 20 milhões de acordo com informações da imprensa. É preciso lembrar ainda que infraestrutura local é completa: iluminação pública, calçamento, pavimentação, água e esgoto, drenagem como poucas localizações na cidade.

Trata-se de um patrimônio social já amortizado por décadas de investimento público e privado. A disputa irá definir quem vai se apropriar desse ativo urbano e com que finalidade. A desvalorização de tal ambiente é um fenômeno estritamente ou intrinsecamente capitalista, como já apontou David Harvey analisando outros processos de “renovação” de centros de cidades americanas.

A luta pela Constituição Federal de 1988 e a regulamentação de seus artigos 182 e 183, que gerou o Estatuto da Cidade, se inspirou, em parte, na possibilidade de utilizar imóveis vazios em centros urbanos antigos para moradia social. Nessas áreas ditas “deterioradas” está a única alternativa dos pobres vivenciarem o “direito à cidade” pois de um modo geral, eles são expulsos para fora da mesma. Executivos e legislativos evitam aplicar leis tão avançadas. O judiciário parece esquecer-se de que o direito à moradia é absoluto em nossa Carta Magna enquanto que o direito à propriedade é relativo, à função social. (Escrevo essas linhas enquanto decisão judicial autorizou o despejo –que se fez de surpresa e de forma violenta- de mais de 1.600 famílias de uma área cujo proprietário – Naji Nahas - deve 15 milhões em IPTU, ao município de São José dos Campos. Antes de mais nada, é preciso ver se ele era mesmo proprietário da terra, já que no Brasil, a fraude registraria de grandes terrenos é mais regra que exceção, e depois verificar se ela estava ou não cumprindo a função social).

É óbvio, que o caso que nos ocupa aqui mostra a falta de compaixão, de solidariedade, de espírito público. Crianças moram em péssimas condições nos cortiços, em cômodos insalubres, dividem banheiros imundos com um grande número de adultos (quando há banheiros). Com os despejos violentos são remetidas para uma condição ainda pior de moradia pelo Estado que , legalmente, deveria responder pela solução do problema. Num mundo com tantas conquistas científicas e tecnológicas, dependentes químicos são tratados com balas de borracha e spray de pimenta para se dispersarem. Um comércio dinâmico, formado por pequenas empresas e ambulantes, que poderia ter apoio para a sua legalização, organização e inovação é visto como atrasado e indesejável. O modelo perseguido é o do shopping center, o monopólio, e não o pequeno e vivo comércio de rua ou o boteco da esquina.

O modelo é contra os pobres que estão longe de constituírem minoria em nossa sociedade. O modelo quer os pobres fora do centro como anunciou o jornal Brasil de Fato. Tudo isso é óbvio. O que não parece ser óbvio é que, em última instância, como diria Althusser, a determinação disso tudo é econômica. A centralidade é a produção do espaço urbano e a mola propulsora, a renda imobiliária. E depois dizem que Marx está morto.


Ermínia Maricato é urbanista.


FONTE: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5427

Saturday, January 28, 2012

Manifesto de São Paulo

O Manifesto de São Paulo
Stefano Boeri

Fonte: http://www.saopaulocalling.org/about/manifesto

Promovido pela Secretaria Municipal de Habitação da cidade de São Paulo, a Jornada da Habitação (Sao Paulo Calling) é um projeto que se desenvolverá entre os meses de janeiro e junho de 2012, e que se propõe a debater as políticas desenvolvidas pela cidade de São Paulo e outras implantadas e metrópoles localizadas em diferentes e distantes partes do planeta, que enfrentam os mesmos problemas relacionados aos assentamentos informais.

Durante seis meses, uma mostra itinerante analisará as características, as diferenças e as causas dos assentamentos informais de Roma, Nairobi, Medellin, Mumbai, Moscou e Bagdá.

Ao mesmo tempo, seis laboratórios, que se manterão em São Paulo, nos bairros de São Francisco, Cantinho do Céu, Bamburral, Heliópolis, Paraisópolis e no centro, vão realçar as experiências práticas e diretas da vida dos moradores.

Convencidos de que, a consciência coletiva das necessidades destes assentamentos informais e a auto-organização empresarial, seja o primeiro aspecto a ser considerado e incentivado para uma política pública urbana eficaz, a cada mês uma favela de São Paulo sediará palestras e debates com a participação de convidados internacionais, e dos moradores do bairro. Ao mesmo tempo, serão promovidas atividades como a feira de rua, festas, shows de música e torneios de futebol, não somente para aproximar os que falam sobre a cidade daqueles que vivem na cidade, mas também porque os três milhões de pessoas que vivem em assentamentos informais são protagonistas ativos das transformações e das teorizações que ali acontecem.

Os laboratórios e as pesquisa que fazem parte do projeto São Paulo Calling destacarão temas importantes, comuns aos assentamentos informais presentes hoje no mundo, que podem ser resumidos em onze pontos de um primeiro esboço de manifesto. (1)

1) As favelas são cidades
3.000.000 de pessoas vivem em assentamentos precários na cidade de São Paulo. 8.000.000 de pessoas vivem nas favelas de Mumbai; e, 2.500.000 de pessoas nas áreas pobres de Nairobi. Os assentamentos informais não são um corpo estranho, apartado; ao contrário, são uma importante parte da cidade contemporânea.

2) As favelas são rápidas
A cidade informal cresce rapidamente, as vezes mais do que a capacidade da administração pública em planejar o seu desenvolvimento.

3) As favelas são necessárias
Em vários países, os assentamentos informais são a principal forma de acesso à vida urbana de milhares de migrantes e camponeses. Territorio para onde se dirige um fluxo incontrolável de urbanização que todos os anos movem milhões de habitantes do planeta, do campo para as cidades.

4) As favelas são pequenas cidades
Muitas vezes distantes do centro, as favelas são sistemas autônomos, distintos, transformando o sistema urbano ao qual pertencem em uma unidade composta de “várias pequenas cidades”.

5) As favelas nunca são iguais
Cada favela tem sua característica, sua linguagem, sua atividade, sua música, seu ritual e suas aspirações. Cada uma delas, segue sua lógica de organização e de identidade.

6) As favelas são áreas urbanas dinâmicas de produção e comércio
Nas favelas, as necessidades de sobrevivência e a ausência de restrições e regulamentos podem incentivar o desenvolvimento generalizado de pequenas empresas artesanais e de serviços ao cidadão, que substituem o welfare público e alimentam um mercado particular de produtos.

7) As favelas representam um modelo auto-organizado
de economia do conhecimento Nas favelas pode se viver com pouco e optar por aprender. Cada ideia pode tornar-se um ofício e a criatividade produz economia.

8) As favelas representam um novo modelo de urbanização e sociabilidade
Os assentamentos informais têm uma estrutura física única, composta de milhares de pequenas construções edificadas em clusters. Uma estrutura compacta, pequena, intimista, onde cada canto é vida.

Intimidade significa que todo mundo sabe da vida de todos, ter intimidade com seus vizinhos para os bons e maus momentos.

9) As favelas são um espaço ideal para a organização
de grupos legais e ilegais As favelas são o território para a implantação de organizações de todo tipo.

Religiosas, comerciais, de serviços, culturais, às vezes, organizações criminais vinculadas ao tráfico de drogas. Essas organizações informais podem aumentar o grau de auto proteção nos assentamentos informais.

10) As favelas continuam a mudar
As favelas estão em contínua mutação e evolução. Se modificam e crescem, atendendo as exigências dos indivíduos e das famílias que ali moram. Revelam uma história de desenvolvimento fundamental, que é configurado através da biografia de cada migrante, cada família, cada comunidade que nela vive.

11) Uma cidade viral
As favelas são uma cidade ecológica, que não mudam nunca o território de forma irreversível. Mas são também “cidades viral”, onde todos os espaços livres são ocupados o que transforma a paisagem em uma natureza bio-humana: cada espaço é ocupado, não existem lacunas em que a cidade possa desacelerar, respirar.

As favelas são, portanto, uma parte essencial da cidade contemporânea. Os assentamentos informais não são temporários, mas descrevem uma parte da cidade já existente. Arquitetura, redes sociais e as atividades econômicas são irremediavelmente envolvidas, como as raízes e os ramos de uma floresta. Melhorá-los não significa pensar um novo modelo de cidade, mas ajudar um ramo a crescer para que os outros também cresçam.


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1 Os pontos deste Manifesto, são resultado da colaboração entre Stefano Boeri e Urbz (Mumbai), acrescido da contribuição da Secretaria Municipal de Habitação da cidade de São Paulo e, dos pesquisadores envolvidos no Projeto SP Calling.

Thursday, January 05, 2012

As enchentes e a falta de planejamento

As enchentes e a ‘falta de planejamento’
Raquel Rolnik
Fonte: http://colunistas.yahoo.net/colunistas/45/index.html

Verão no sudeste, tempo de chuvas. Sistematicamente, também, tempo de enchentes, casas desabando, pessoas desabrigadas e, às vezes, até mortes. Certamente, neste momento, se discutem soluções, se anunciam investimentos e novas regulações, se buscam culpados… Neste debate, a “falta de planejamento das cidades” sempre aparece como a grande responsável pelos desastres.
As “ocupações irregulares precárias, que não obedecem à lei” e a “falta de fiscalização” aparecem como sinônimos dessa tal “falta de planejamento”. Como se tivéssemos um sistema de ordenamento territorial ótimo, mas que é desobedecido pelas classes sociais mais pobres, que ficam construindo favelas e ocupando locais indevidos. Se seguirmos essa lógica, imediatamente, identificamos os dois culpados pelas tragédias: os “invasores” e os “políticos”, que não fiscalizam. Nada mais equivocado e simplista!
Em primeiro lugar, porque no Brasil simplesmente não existe, nem nunca existiu, um sistema de ordenamento territorial. O que existem são regras setoriais (meio ambiente, patrimônio, urbanismo) que não dialogam entre si e, muito menos, com os sistemas de financiamento do desenvolvimento urbano. Os planos diretores que, teoricamente, deveriam cuidar desta tarefa de ordenar o território, ou são mera expressão dos interesses econômicos dos setores envolvidos diretamente na produção da cidade, ou simplesmente não regulam nem definem os investimentos em cidade nenhuma do país. Além do mais, os planos diretores são municipais, sendo que muitas das nossas cidades são aglomerados ou regiões metropolitanas.
A expansão das cidades, ou seja, as novas áreas que vão sendo abertas para ocupação urbana, NUNCA foi planejada em nosso país. Os loteamentos foram sendo aprovados sempre no caso a caso, quando o proprietário da gleba decidia loteá-la. E nunca existiram programas ou recursos para que os municípios ou Estados produzissem ”cidade” antes de esta chegar.
O que existem são recursos para construir casas, escolas, praças de esporte, investir em água e esgoto, mas nunca “tudo junto ao mesmo tempo agora”. Finalmente, quem pensa que ocupações de áreas não aptas para urbanizar, como várzeas de rios e encostas, são “privilégio” dos pobres, está enganado. Em muitas cidades (vejam a várzea do Tietê, em São Paulo) este é um modelo disseminado…
No ano passado, logo após as chuvas que devastaram a região serrana do Rio de Janeiro, no início do ano, além de vários locais em Niterói e na cidade do Rio, em abril, a presidência da República encomendou aos ministérios uma Medida Provisória para tratar justamente do tema do ordenamento territorial. Em outubro, finalmente, o governo federal editou a Medida Provisória 547 (link), determinando a formulação de um cadastro nacional de municípios onde ocorreram eventos deste tipo nos últimos 10 anos, tornando obrigatório para os municípios cadastrados a realização de mapas de risco, planos de contingência e utilização de carta geotécnica para aprovação de loteamentos.
A novidade mais interessante, entretanto, que vai além da questão do risco, é que TODOS os municípios serão obrigados a desenvolver um plano de expansão toda vez que ampliarem o seu perímetro urbano, criando uma nova zona urbana ou de expansão urbana. Nenhum loteamento poderá ser aprovado nesse novo perímetro enquanto não houver esse plano. Além de identificar as áreas de risco, esse plano precisa identificar também as áreas que devem ser protegidas do ponto de vista do patrimônio ambiental e cultural, definir todas as diretrizes e demarcar as áreas que serão utilizadas para a instalação de infraestrutura, sistema viário, equipamentos públicos etc. O plano precisa também prever zonas de habitação de interesse social nessas áreas.
A iniciativa é importante? Sim, é fundamental! Entretanto, se não incidir em questões que hoje sabotam a existência de um sistema de ordenamento territorial, esta vai virar mais uma regulação inútil, emaranhada com as demais… e aí, dá-lhe mais enchentes e desabamentos!
Colunista: Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, especializada em planejamento e gestão da terra urbana. Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e Relatora Especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada.

http://colunistas.yahoo.net/colunistas/45/index.html